terça-feira, 16 de agosto de 2011

a velha gorda

faz-me ver onde sou gorda e faz-me ver onde sou velha. sou velha quando me agarro aos padrões do passado, quando repito, repito, repito e me engasgo, quando não me abro ao que é novo, quando me aforro às poupanças e me contenho nos gastos, quando me enrugo, desgasto e me desato em moralidades, quando digo 'ah, no meu tempo não era assim' ou 'já ninguém tem mais respeito por nada', quando me pesam os anos e então também é aí que sou gorda. no peso excessivo que ainda dou à opinião de terceiros, nos pensamentos a escorrer celulite, na gula mental com que me enfarto a dizer mal dos outros, na obesidade das opiniões.

a invejosa de merda que tem a mania que é boa mostra-me o que quero ter e não tenho, a merda que faço, a mania de que sou melhor do que os outros. quero ter e não tenho sossego, invejo o alheio quando não sei valorizar o que sou, quando afinal me sinto pior do que os outros e a mania é só mais uma máscara, mais uma capa de merda para tentar provar que sou boa. sou boa, mas não tão boa, é precisamente aqui que sou má, que sou uma merda, quando me abandono e deixo a tarefa de ser amada para os outros, não admira depois que os inveje, quando me amam mais do que eu própria, as manias são sempre uma prova de como nos agarramos a pensamentos que não são nossos. e volto a ser gorda de cada vez que me empanturro até à náusea com eles.

a mulherzinha que não tem onde cair morta revela-me a mesquinhez das inhas todas que sou, diminutiva em tantos aspectos, mazinha, intriguistazinha, picuinhas, parvinha. caio morta de todas as vezes que a vida me acolhe e a recuso, mortifico-me com dores invisíveis, morro até quando respiro e tomo a benção por esforço, ponho-me a arfar como se o ar não fosse de borla, entupo de fumo os pulmões, mato-me à espera que me ressuscitem, mas nunca resulta.

o cabrão do filho da puta que nos anda a roubar nos impostos é seguramente o mesmo cabrão filho da puta que rouba a verdade, sempre que conta uma história pela metade que mais lhe convém, somos sempre nós próprios, gamando aqui e ali tudo o que não nos pertence, tomando posse dos outros, fazendo da propriedade um direito. roubamo-nos sempre que não mostramos tudo o que somos, subtraímos defeitos para que os outros nos considerem pessoas boas e são tantas as condições que lhes impomos! 'tens de ser isto e aquilo', 'não sejas assim', 'se ao menos fosses mais compreensivo', 'já te disse para não seres tão bruto comigo'. cobramos. 'se não fizeres o que te peço já não gosto de ti'. impostores! todos nós. quando desabafamos em público contra o sistema, e depois o cumprimos, em silenciosa obediência, e nos roubamos a liberdade de agir como seria mais justo.

a boa rapariga. tira a máscara da linda e põe a da amorosa. tira a da amorosa e põe a da linda. tira a da linda e põe a da bem comportada. tira a da bem comportada e põe a da lúcida. tira a da lúcida e põe a da boa aluna. tira a da boa aluna e descobre que se sufoca com elas, com tantas camadas de máscaras, de capas, que maquilha os comportamentos, põe batôn nas palavras, blush nas poses, cora a palidez com uma base compacta para que não se notem as imperfeições e até nisso é fingida, na dissimulação das cicatrizes na cara, não se importa assim tanto que lhe descubram as crostas, mas nem sempre se atreve a arrancá-las para que purguem de vez velhas feridas. 

sombra. como se fosse um refúgio fresco e seguro debaixo da copa das árvores.
não é. 
torra-nos mais do que o sol, queima-nos mais do que a luz e faz-nos arder lentamente na sua penumbra de amor por quem somos.
é bom.

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