de um lado o x-acto, do outro o píncel. é só minha a escolha se corto ou se pinto, se rasgo ou se tinjo, se esventro ou se animo. é no que dá ter duas mãos. fosse só uma, ou mesmo nenhuma, não se punha sequer a hipótese de ter de ser isto ou aquilo. só um caminho e nunca esta dúvida: vou pela direita ou vou pela esquerda? fossemos nós todos inteiros e nunca nada seria partido, pedaço, fragmento, estilhaço. e podem dizer à vontade
ah e então aqueles textinhos todos muito bonitos que escreves aqui sobre esse exercício de SER, ser simplesmente, é tudo uma farsa ou o que é isso?
e eu digo: é tudo verdade e é tudo mentira. e o que me confunde, o que vos confunde, talvez, é que hoje seja uma coisa que ontem não era e que amanhã possa vir a ser outra e até pode parecer que é tudo colado com cuspo e eu digo
sim, é mesmo isso!
colagens de mim, não sei se com cuspo, sangue, suor ou com quê. sei que há dias em que é de x-acto e a eito, arranco-me os olhos e esventro as entranhas, rasgo-me toda e outros em que, coberta de cores, me animo a ser céu e me tinjo de azul e então?
está tudo à mostra, o branco e o preto, o sim e o não, a certeza e a dúvida, e é nesse exercício que me vou descobrindo. bom dia alegria, bom dia tristeza, balança para a esquerda, depois para a direita, e de novo para a esquerda, e outra vez para a direita e às vezes enjoo, é verdade, e então?
está tudo à mostra, o branco e o preto, o sim e o não, a certeza e a dúvida, e é nesse exercício que me vou descobrindo. bom dia alegria, bom dia tristeza, balança para a esquerda, depois para a direita, e de novo para a esquerda, e outra vez para a direita e às vezes enjoo, é verdade, e então?
ah!, então é porque não sou o que escrevo, não sou o que digo, não sou os textinhos bonitos que ponho a boiar no néon, e eu digo: sou e não sou.
e admiro-me que não sejam todos assim, sendo e não sendo, esquerda e direita em toda a gente, estilhaços em tudo, fragmentos no peito de todos, mesmo todos sabendo que a nossa essência comum é só uma e a mesma. e então?
então nada! ou tudo ou às vezes ou sempre. tudo verdade, tudo mentira, todos neste momento do mundo em que o x-acto e o píncel estão ambos à mão, todos em busca do mesmo, já nem lhe quero chamar 'amor' outra vez, mas paz de espírito. e só há paz no balanço, para mim, só haverá paz no balanço, quando ao sentir-me a ir para a esquerda não desejar ir para a direita, quando ao ver-me a ir para a direita não me forçar a ir para a esquerda. quando, enfim, deixar de enjoar com as minhas próprias incoerências e me entregar às contradições sem mais resistência. é possível? não sei. é impossível? não sei. e, no não saber, vou sabendo que sei e não sei muitas coisas. e pronto, hoje é isto.