domingo, 10 de agosto de 2014

às onze voltou a ligar,

já eu andava nas compras.
deixei tocar cinco vezes e, à sexta, atendi.
- desculpe lá aquilo de há bocado - disse eu, baixinho, e a seguir desculpei-me de novo.
- e desculpe estar a falar tão baixinho, mas é que estou no pingo doce e isto aqui está cheio de gente por todos os lados...
respondeu-me que compreendia perfeitamente e que não queria atrapalhar-me.
- era só para saber se está acordada - ouvi-o dizer, também em voz baixa.
fez-se um pequeno silêncio e, de novo, pedi-lhe
- acha que me pode ligar mais daqui a bocado?

sabia que um dia ele voltaria a ligar-me

e ligou.
hoje de manhã, ainda não eram nove horas, tocou o telefone e atendi
- sim?
esperava ouvir a voz rouca de que me lembrava, mas saíu cristalina, parecia a voz de alguém muito crescido, mas que estranhamente não tinha perdido aquele timbre limpo da infância.
- bom dia *
- é você? - perguntei.
- você quem? - e percebi que ele sorria.
tirando a voz, menos grave e mais doce, continuava na mesma.
- sempre a meter-se comigo, não é?
e a seguir espreguicei-me, enrosquei-me melhor nos lençóis, bocejei.
- aahhhahhhh...
- isso é que é sono! - disse  ele.
olhei para o céu através da clarabóia no tecto e mudei de conversa.
- e você? tem andado por onde? nunca mais disse nada!
mas ele só respirou e, por breves momentos, não me mexi e fiquei muito quietinha, com o telefone encostado ao ouvido, a sentir uma brisa a percorrer-me primeiro o pescoço e depois a descer-me pela barriga e logo a seguir pelas pernas abaixo e ainda lhe disse
- páre lá com isso!
mas depois, ao perceber como tudo em mim respirava em uníssono, fiquei tão comovida que só tive tempo para lhe pedir
- por favor, ligue mais tarde...
antes de lhe desligar o telefone.
deviam ser nove e meia ou assim.