segunda-feira, 15 de agosto de 2011

a polpa dos dedos ardia-lhe

não de escrever, mas de intuir que das mãos saem gestos que não controlamos. e, no entanto, achamos que sim. que controlamos os dedos, as mãos, as pernas, o corpo e que o que acontece obedece à razão. duas horas de sono, cinco horas de insónia, a polpa dos dedos peganhenta dos figos que lhe mataram a fome ainda há pouco, a roseira enfim descansando da aurora dos pássaros, não tarda o relento virá pousar sobre a relva, as buganvílias recolhem-se, a lua mingua no céu e dentro dela cresce a certeza de que não controla coisa nenhuma, afinal. tem as pálpebras secas, mesmo que os olhos lhe brilhem onde o sal se condensa, de novo vêm à tona as pedras, os lagos, as estrelas que os sonhos dos homens querem pôr a secar longe do mar, os caranguejos, os polvos, as conchas que pôs num frasco de vidro e que beijam os búzios quando se sentem em paz.
arde-lhe um fogo manso no peito, uma cor de poente, um lastro de sangue e nem sequer sabe dizer como é que as polpas dos dedos alcançam as teclas e escreve o que escreve. não sabe. mas sabe, isso sabe, que o sol amanhã vai nascer sem precisar que lhe peça, sabe que o mundo gira e avança como uma nave redonda envolvida por espaço, que o tempo se inventa como desculpa para já ser tão tarde ou ainda ser cedo e nunca é tarde nem cedo, mas a hora certa para tudo, a cada momento. sabe, isso sabe, que a relva lhe deixa marcas frescas nos pés quando a pisa, sobretudo depois de regada, sabe que a sede se mata se nunca esperar que lhe ofereçam água e a for colher directamente dos poços. sim, abrem-se poços de cada vez que mergulha nos lagos, os mesmos das estrelas, dos caranguejos, dos polvos, abre-se um sulco nas ondas quando se põe a escrever sobre o mar, não pode sequer dizer que navega, mas que é navegada, que há algo mais forte que a leva através das correntes da água, que agosto é o mês em que as férias lhe parecem maiores porque, em pequena, tudo era tão grande.
arde-lhe o brilho dos fósforos quando acende um cigarro e o segura nos dedos ao mesmo tempo que escreve. o vento lá fora passa a lembrá-la do espanto que é ver as folhas moverem-se sem pensarem sequer por que é que se movem, a vida só passa a correr quando não damos por ela, quando fora de nós nos demoramos nos outros, quando ansiamos por voltar a casa e nem reparamos que temos a chave da porta no bolso. a vida acontece sem nos pedir nada em troca, a não ser para a vivermos como ela nos mostra: perfeita e constante no seu movimento de se bastar a si mesma e é só. e é tanto!
e é tudo: por hoje.


1 comentário: