segunda-feira, 15 de agosto de 2011

o mau da fita

há sempre um mau da fita nos filmes que inventamos. ao contrário do galã, que nos leva ao paraíso, o mau da fita é o que nos atira para o inferno e nos faz a vida negra. duro de roer, insensível, cheio de vícios, incarna sempre a nossa sombra. mas, até que o saibamos ver, e desmontar, ele servirá, na perfeição, como um bode expiatório. é dele a culpa de nos sentirmos mal amados, é dele a responsabilidade de chorarmos pelos cantos, é dele a incapacidade de não ver como é cruel, é dele a falha de não ser iluminado.

no último filme de amor, o mau da minha fita era promíscuo. o mau da minha fita era desequilibrado. o mau da minha fita era cruel. o mau da minha fita era o culpado por toda a minha tristeza. o mau da minha fita era um traidor. o mau da minha fita era mal agradecido. o mau da minha fita era 'doente' e eu... era a 'saudável'. a boazinha. a querida linda e esforçada por salvá-lo. a sempre boa rapariga, que jurava entregar a sua causa ao serviço do amor. que se queixava por dar tanto e receber, afinal, tão pouco em troca. a que dormia com a esperança de que um dia o mau da fita se tocasse e se transformasse em bom e que a acordasse com um beijo e a levasse ao paraíso.

espelho meu, espelho meu, quanto do que vejo em ti é meu?

demoramos a acordar. e, no entanto, aquilo que eu vejo em ti é o que eu tenho. a promiscuidade é minha e, neste caso, a sombra não está no sexo, está na língua, que se enfia nos ouvidos de terceiros a falar de intimidades, que nem sequer são só minhas. o desequilíbrio é meu, tão balalão, tão balalança, agora sim, agora não, assim não quero, assim está bem. a crueldade é simplesmente amar-me pouco, quando podia amar-me tanto e, a haver culpa, ela é provavelmente humana, essa culpa que nos torna, a todos nós, reféns do amor dos outros. a traição, afinal, não é mais do que trocar-me, deixando que o mau da fita ocupe todo um primeiro plano, enquanto eu fico - coitadinha! - a carpir nos bastidores. e, sim, sou muito mal agradecida de cada vez que não vejo que a descida a este abismo e o encontro com a sombra é uma benção, um sinal para que acorde! que padeço da mesmíssima 'doença' de todos os comuns mortais, crónica e cheia de recaídas, e que a cura é perdoar-me, senão de uma só vez, a pouco e pouco.

perdoar a má da fita, pelos seus filmes e dramas. 'quando não me amo, eu doo', diz o Emídio. e reparo que não me doo, não me doo no instante em que sou boa e pego na má ao colo - em vez de a querer castigar por ser tão irresponsável, tão promíscua, tão 'doente', ou em vez de a querer esconder num quarto escuro, cheia de medo de que possam descobri-la, acusá-la, condená-la. não me doo no instante em que me amo. não me doo quando perdoo.
e assim acaba o filme.
e fica só o amor.

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