quinta-feira, 18 de agosto de 2011

onde é que (ainda) me esvazio?

saí de manhã para ir ao aki comprar tinta. estacionei quase à porta e entrei. provavelmente com mais olhos que barriga, resolvi trazer um balde de 20 litros. pesava. imenso!
arrastei-o mais ou menos até à caixa, ao mesmo tempo que puxava um carrinho com meia dúzia de outras coisas. na caixa, avisei a senhora que não conseguia pôr o balde lá em cima e ela disse
não faz mal
e passou aquela coisa que lê o código de barras com o balde da tinta no chão.
paguei e percebi que não ia conseguir levar o balde e o saco, com a meia dúzia de outras coisas lá dentro, ao mesmo tempo para o carro. a senhora, então, perguntou a um colega simpático, ali mesmo ao lado, se não me queria ajudar. era mesmo simpático, o colega, porque disse logo que sim e agarrou-me no balde e lá fomos os dois, ele com o balde e eu com o saco e o carro ali quase à porta, que sorte, apontei-o
é aquele ali, está a ver?
ainda não estávamos lá e já o colega simpático me apontava um dos pneus 
olhe, tem um furo!
confirmei. um dos pneus de trás estava completamente vazio e faltava-lhe o pipo. tinha-me demorado quinze minutos nas compras, era completamente impossível aquilo ser um furo e pensei
houve um cabrão filho da puta que me esvaziou o pneu, olha que engraçadinho!
mas como até ando mais acordada do que era costume, parei o insulto e pensei
ok. houve um querido a querer mostrar-te onde é que te esvazias. 
entretanto, o colega simpático provou-me que também era prestável e foi lá para dentro, a ver se me arranjava uma bomba, apesar de estar convencido que aquilo era um furo, simplesmente, e não uma maldade. voltou pouco depois com outro colega prestável, simpático, e com a tal bomba. provou-se que era mesmo um delito quando o colega, o segundo, reparou que alguém tinha usado uma chave para desenroscar a válvula, o que fazia com que o ar que entrava saísse logo a seguir.
traz-me uma chavinha de fendas
pediu o segundo colega ao primeiro. e lá foi o primeiro e trouxe a chavinha de fendas com que o segundo tentou atarrachar a válvula, mas não conseguiu.
isto fizeram-lhe aqui um bonito serviço
disse já não me lembro qual dos colegas. e eu já com uma lista bem grande do bonito serviço na minha cabeça.
- esvazio-me quando não dou valor ao que faço.
- esvazio-me quando me sinto uma merda.
- esvazio-me quando não acredito que estou sempre cheia.
- tiro-me o ar quando fumo cigarro atrás de cigarro...
a senhora vai fazer o seguinte
interrompeu-me então o segundo colega
eu vou encher-lhe isto o máximo que conseguir e pôr o pipo ali do outro pneu e a senhora vai daqui directa à norauto e pede para eles lhe apertarem isto com uma chavinha que eles têm e que é mesmo própria para isto. 
e depois, virando-se para o primeiro colega, pediu
e agora dás tu à bomba, que eu tenho serviço à espera.
e ali ficámos, eu e o primeiro colega, eu em silêncio e ele dando à bomba e desfiando o seu rol de críticas.
não há direito, isto está mesmo mal, esta gente não tem o que fazer, qualquer dia estamos piores do que o Brasil, anda para aí uma malta, ai anda, anda, isto é que é uma vida... mas o que é que lhes passou para cabeça para lhe virem aqui esvaziar um pneu? qual era a ideia?
sorri e perguntei-lhe
está-lhe a saber bem ser-me útil? está a gostar de poder ajudar-me?
respondeu-me que sim - era mesmo simpático.
então talvez fosse essa a ideia. fazerem-me uma maldade para o senhor me poder fazer uma bondade
e escusei-me a explicar-lhe que, para além disso, eu já tinha uma lista de 'esvaziamentos'.
o colega sorriu-me de volta
pois, só se foi isso.
disse-lhe adeus, agradeci-lhe e segui para a norauto, ali mesmo ao lado. outro senhor muito simpático usou logo a tal chavinha de que o segundo colega me tinha falado, atarrachou-me a válvula num instantinho e sugeriu-me que fosse ali à bomba do Jumbo, encher mais o pneu e ver a pressão. agradeci-lhe e já estava dentro do carro, quando de novo saí para lhe perguntar se sabia onde podia encontrar um pipo para a válvula daquele pneu. prestável, simpático, o senhor da norauto enfiou a mão numa lata e estendeu-me uma mão cheia de pipos.
e foi aí que tudo bateu!... há doze anos, 'roubaram-me' o Pyppo - para quem ainda não sabe, o Pyppo era o pai dos meus filhos mais velhos, atropelado à minha frente por um camião destravado. esvaziei-me com essa morte até às entranhas. é muito possível que ainda hoje me esvazie, que ainda acredite que a sua morte me deixou um vazio. e então ali estava o senhor da norauto com uma mão cheia de pipos estendida para mim. 

é como diz o 'outro', não é?... d e l i c i o s o ! !

4 comentários:

  1. completamente esvaziadamente plenamente oportunamente ... delecioso ...
    e oportunidade para fazer tb uma lista de "esvaziamentos" !

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  2. isso :) pode ser que também ganhes: uma mão cheia de pipos ♥

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  3. Obrigado. De alguma forma faz sentido com o que sinto agora.

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