mas nenhum dos dois tinha sono.
abri-lhe a espreguiçadeira no meio do terraço e estendi-lhe uma manta, para o defender do ar fresco da noite, que teimava em insinuar-se nas cartilagens macias.
que farsa!
sorriu-me o anjo, já instalado no seu trono de verga, por debaixo das bunganvílias que tínhamos posto os dois a crescer em vasos de barro, fazia já algum tempo, e a seguir pediu-me um copo de vinho.
fui buscar a garrafa e brindámos
à morte do anjo
disse ele.
as suas asas guardavam ainda a salmoura das ondas, à tona das penas a areia brilhava, um fino vapor cobria-lhe os olhos, o azul mareava-lhe as pálpebras, reparei que pendurara uma concha ao pescoço, presa ao fio dos meus dias, e que nada na sua brancura fora tomado pelas sombras terrestres.
pediu-me para ler o meu texto e mostrei-lho.
que pena não ser capaz de escrever
disse o meu anjo da guarda.
enchi-lhe o copo outra vez e de novo brindámos à farsa
tchim tchim!
a seguir, perguntei-lhe
porquê?
porque queria sentir, como tu sentes, a humanidade a escorregar-me dos dedos e perceber o porquê das paisagens e das metáforas que cria
disse ele.
fez-se um breve silêncio entre nós, bebemos os dois mais um pouco de vinho, a seguir perguntou-me
tens a noção da quantidade de enganos que as palavras convocam?
assenti, com um ligeiro aceno das mãos.
deixa-me lá ler isso outra vez...
abri-lhe a janela e de novo o deixei à mercê da praia mortal, da multidão e das câmaras, do suor das palavras, da repórter excitada com a notícia da morte de um anjo em directo, da orla humana do mundo, do ónus da prova.
imagina que eu tinha mesmo morrido? o que farias sem mim?
perguntou-me, com alguma ironia.
foi a minha vez de sorrir.
nenhuma das minhas palavras seria capaz de te matar
respondi.
a seguir, pousei o meu copo de vinho no chão, fechei a janela, empurrei-lhe a espreguiçadeira para mais perto das estrelas e deitei-me ao seu lado.
quando estávamos quase a dormir, embalados pelo contágio do céu, perguntou-me
diz a verdade, alguma vez duvidaste da minha existência?
por debaixo da manta, estendi-lhe os meus dedos. benignamente, o meu anjo da guarda amparou-os na luz da sua presença, enquanto eu lhe sussurrava ao ouvido
não, mas todos os dias duvido que seja possível escrever o que aprendo contigo.
abri-lhe a espreguiçadeira no meio do terraço e estendi-lhe uma manta, para o defender do ar fresco da noite, que teimava em insinuar-se nas cartilagens macias.
que farsa!
sorriu-me o anjo, já instalado no seu trono de verga, por debaixo das bunganvílias que tínhamos posto os dois a crescer em vasos de barro, fazia já algum tempo, e a seguir pediu-me um copo de vinho.
fui buscar a garrafa e brindámos
à morte do anjo
disse ele.
as suas asas guardavam ainda a salmoura das ondas, à tona das penas a areia brilhava, um fino vapor cobria-lhe os olhos, o azul mareava-lhe as pálpebras, reparei que pendurara uma concha ao pescoço, presa ao fio dos meus dias, e que nada na sua brancura fora tomado pelas sombras terrestres.
pediu-me para ler o meu texto e mostrei-lho.
que pena não ser capaz de escrever
disse o meu anjo da guarda.
enchi-lhe o copo outra vez e de novo brindámos à farsa
tchim tchim!
a seguir, perguntei-lhe
porquê?
porque queria sentir, como tu sentes, a humanidade a escorregar-me dos dedos e perceber o porquê das paisagens e das metáforas que cria
disse ele.
fez-se um breve silêncio entre nós, bebemos os dois mais um pouco de vinho, a seguir perguntou-me
tens a noção da quantidade de enganos que as palavras convocam?
assenti, com um ligeiro aceno das mãos.
deixa-me lá ler isso outra vez...
abri-lhe a janela e de novo o deixei à mercê da praia mortal, da multidão e das câmaras, do suor das palavras, da repórter excitada com a notícia da morte de um anjo em directo, da orla humana do mundo, do ónus da prova.
imagina que eu tinha mesmo morrido? o que farias sem mim?
perguntou-me, com alguma ironia.
foi a minha vez de sorrir.
nenhuma das minhas palavras seria capaz de te matar
respondi.
a seguir, pousei o meu copo de vinho no chão, fechei a janela, empurrei-lhe a espreguiçadeira para mais perto das estrelas e deitei-me ao seu lado.
quando estávamos quase a dormir, embalados pelo contágio do céu, perguntou-me
diz a verdade, alguma vez duvidaste da minha existência?
por debaixo da manta, estendi-lhe os meus dedos. benignamente, o meu anjo da guarda amparou-os na luz da sua presença, enquanto eu lhe sussurrava ao ouvido
não, mas todos os dias duvido que seja possível escrever o que aprendo contigo.
Parabens...n consigo deixar comentario...Micah Forsado no facebook
ResponderEliminarLindíssimo.
ResponderEliminar«porque queria sentir, como tu sentes, a humanidade a escorregar-me dos dedos e perceber o porquê das paisagens e das metáforas que cria, disse ele.»
não é para todos.
kiss, kiss
Também não consigo escrever. As tuas palavras oferecem-me um silêncio profundo e luminoso*
ResponderEliminarcomo sabes, sophia, um dos teus anjos és tu mesma
ResponderEliminarad oro ich tu
ResponderEliminarUm ser celestial que deseja vivenciar as experiências terrestres e sentir o que os humanos sentem... é muito lindo! Cristina Rios
ResponderEliminar... muito especial este fexto! De uma grande profundidade!
ResponderEliminarELE pegou na tua mão , iluminou as tuas palavras ... e tu irradias essa luz para quem te quiser ler ... Obrigada querida amiga!