segunda-feira, 25 de outubro de 2010

falar com os mortos

só pode ser coisa de quem não está bom da cabeça!, diz quem ainda não descobriu que, do outro lado do véu, os 'mortos' estão vivos e que por isso é normal que vivos e vivos conversem, nem sequer em tom mórbido e sobre assuntos funestos, mas ligeiramente e tantas vezes sobre coisas prosaicas, banais.  se assim não fosse, como seria possível estarmos aqui os dois à conversa? e reparo que é a primeira vez que te trago aqui dentro,
  e então, gostas do blogue?
logo vi que gostavas, ainda que, e ao contrário de mim, já não estejas nessa humana idade das dúvidas, mas na posse de toda a verdade e não, não levo a mal que não contes, 
  que graça teria saber toda a verdade neste momento? 
a verdade, aqui onde estou, é que há já algum tempo que não conversava contigo, admito até que às vezes te evito, com medo de que precises de desviar-te dos teus afazeres luminosos para me ouvires, mas hoje foste tu quem veio procurar-me e se instalou e estive quase para te perguntar
  não queres sentar-te?
e a puxar do banquinho que costumo oferecer às visitas, como se tu fosses visita
  claro que és da casa
e tu prontamente ocupando o lugar que sempre ocupaste, velando por mim para que nenhum mal maior me possa atingir, tu ao meu lado, dentro de mim, em toda a parte, afinal, que essa é a grande vantagem dos vivos do lado de lá, estarem em todo o lado e só virem cá quando sentem vontade de conversar e assim e reparo que te ris
  estás a achar graça, já percebi
não é novidade nenhuma, rirmos os dois durante as nossas conversas, tu mais sarcástico, eu mais mordaz, que bom estares aqui
  é giro o meu blogue não é?
também achei que ias gostar, caso contrário não tinhas chegado precisamente na altura em que me preparava para escrever uma 'nova mensagem' e reparo que já percebeste por que razão pus como título 'falar com os mortos' - e que não tem nada a ver com o facto de estarmos aqui, os dois vivos, nesta conversa que é tudo menos de quem não está bom da cabeça - e porque foi que escolhi a fotografia do anjo de cemitério para a 'ilustrar'
  não, não digas porquê, deixa que fique só entre nós
e daqui a uns dias veremos se foi ou não boa ideia, tendo em conta que o objectivo era um só, mas que nem sequer é importante para esta nossa conversa
  pois é, que bom estares aqui, chega a parecer quase um sonho!
e lembro-me, não sei porquê, dos nossos sonhos aos vinte, vinte a tal anos, casar e ter  filhos, uma varanda com vista para o Tejo, comprar um pequeno terreno na ilha do Sal, em Cabo Verde, e passarmos lá férias, lembro-me dos pesadelos aos trinta e dois, depois de nos terem atropelado esses sonhos, lembro-me de me dizeres 
  eu aposto em ti mas é aos quarenta!
assim, tal e qual como disseste agora mesmo,
  eu aposto em ti mas é aos quarenta!
e aqui estou eu, quarentona, 
  já viste?
meia vida cumprida, se acreditar que a média humana ronda os oitenta, dois filhos quase criados e outras duas que para lá caminham, ainda e sempre cheia de dúvidas, mas isso faz parte da vida, tranquilamente à conversa contigo numa noite de outono, e ainda há quem diga que falar com os mortos é coisa de quem não está bom da cabeça, imagina,! como se realmente tu tivesses morrido naquele dia de verão e não me restasse outra opção senão a de ir ao cemitério pedir aos anjos de pedra para te mandarem saudades, sempre que as saudades de falar contigo viessem à tona...
  que disparate, não achas?

7 comentários:

  1. Às vezes gosto tanto dum texto,q n tenho palavras p comentar...estou a partilhá-lo..(MICAH,no fb.)

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  2. As minhas cataratas acentuam-se sempre que te leio. Não creio que sejam operáveis estas Cataratas do Niagara... E ainda bem*

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  3. Ternurento. Essas conversas são bem verdadeiras e que bom que existam.

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  4. Só quem passou por isso sabe...
    Linda loucura!

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  5. Esta é a época em que a comunicação para o outro lado do véu é mais fácil... Lindo! Adorei... a melhor forma de honrarmos aqueles que amamos, mesmo quando já não estão a qui na terra num corpo físico... eles estão lá e também nos amam muito :)
    Bençãos de Samhain
    Ana
    http://anasacredgrove.blogspot.com

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  6. A capacidade de levantar os véus que separam os mundos habitados por espécies diferentes de entes vivos, sendo um em corpo de matéria mais densa e o outro em corpo mais sutil, é reconfortante e aplaca a dor em um momento de separação tempor...ária, pois em um momento posterior o reencontro certamente acontecerá. Mas a sensibilidade apurada de quem se comunica com o outro lado traz, inevitavelmente, alguma espécie de sentimento de isolamento e de incompreensão, pois não é fácil viver em um mundo em que há predominância de materialismo e ambição e ser possuidor de tanta sensibilidade...

    Cristina Rios

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