era quando? e quanto é o tempo que me separa desse tamanho de mim e por que razão me lembrei dele agora? agora e aqui e eu já muito crescida,
- ou nem tanto!
aqui e agora e eu ainda menina
- menina?!
'a nossa menina', como diziam as tias, 'ai a menina!', ralhava o meu pai, 'sempre a fazer disparates'
- ai, ai!
calculo que para chamar a atenção, mais do que por ser realmente uma menina disparatada,
- mimada!
a menina inesinha, como dizia a Joaquina e ainda diz, vejam lá que ainda me chama,
- inesinha!
e eu, aqui e agora, já deste tamanho, quarenta anos mais quatro, quando é que algum dia, quando eu era pequena, imaginei poder vir a ser tão crescida?
'quando eu era pequena', na escrita, é sempre a frase que me leva de volta aos lugares mais seguros e às memórias mais doces. a não ser que o tempo nos amoleça as recordações, como a calda faz com a fruta quando a transforma em compota, e a minha infância não tenha sido, afinal, nem tão feliz nem tão boa. além disso, quando eu era pequena era quando? quando tinha dois anos, três anos, cinco, sete, dez a caminho dos onze? e há quanto tempo foi isso? matematicamente, foi há mais do que trinta, mas a contagem dos anos não é apenas a soma dos dias ou das estações, há que subtrair-lhes as dores e as feridas, multiplicar as assombrações que nunca expulsámos de debaixo da cama, dividir o que um dia quisémos que fosse só nosso pelos irmãos que vieram mais tarde.
quando eu era pequena, aos dois ou três anos, era esta em Fiais. vestido aos quadrados vermelhos e pretos, ainda que o meu pai os fotografasse de acordo com a tecnologia da época, a preto e branco, portanto, sandálias, cabelo cortado à rapaz e os pinhais todos por conta. e era feliz, tenho a certeza que era, tenho a certeza que as tias estavam sentadas ali muito perto, sou bem capaz de lhes estar a mostrar o que seja que tenho nas mãos, que tenho ou que tinha, já não sei em que tempo estou afinal, se quando eu era pequena continua a ser hoje ou se foi há mais tempo, em que é que ficamos?
ficamos aqui, nesse caso. aqui e agora, no tempo sem horas e na estação que é sempre a que mais docemente perdura nas minhas memórias. e que apesar de estar retratada em tons de cinzento era cheia do verde do verão e do rumor desbravado e azul dos pinheiros, rendendo-se ao céu. por isso, quando eu era pequena é agora. neste exacto momento em que escrevo, esta sou eu. aqui e agora, eu sou quem eu era quando era pequena. a 'nossa menina', como diziam as tias ou, simplesmente,
- a menina
tão querida!, provavelmente mimada, é possível, e disparatada
- ai, ai!
a caber no tamanho que tinha e em todos os sonhos que ainda mantenho.
Deliciosa ...como sempre...sinto exactamente o mesmo...sinto-me ainda pequenina :)
ResponderEliminarConceição Sousa "Ecodalma"
Conceição, obrigada. e continua a fazer eco da alma, que a palavra é sempre terapêutica.
ResponderEliminarum beijo.