segunda-feira, 25 de outubro de 2010

patchamama

suar dentro das entranhas da terra é um ritual ancestral e xâmanico que purifica o corpo e o espírito.
a primeira vez que entrei numa 'cabana do suor' - uma espécie de iglo feita com paus e forrada com panos - foi em fevereiro de 2006.
lá fora, em plena serra algarvia, fazia um frio de rachar e o inverno parecia ter vindo, também, instalar-se dentro de mim. nessa altura, passava por uma crise profunda, a todos os níveis - creio que já era Urano, que iria opôr-se a si mesmo dali a uns tempos no meu mapa natal, a fazer-me um convite e a dizer-me
 deita fora isso tudo que já não te serve!
como em todas as primeiras vezes, sentia algum medo. não temia o calor, nem o escuro da cabana, mas a fragilidade que me consumia baixava as minhas defesas. não fazia a mínima ideia do que iria passar-se lá dentro e o facto de estar numa roda entre estranhos, à frente dos quais iria ter que despir-me, e ao mesmo tempo a sentir que nada em mim circulava, só aumentava a sensação do desconforto.

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como em todos os 'temazcallis', a cerimónia teve início ao redor da fogueira. dispostos em círculo, começámos por dar graças ao fogo, que nos aquecia naquela gelada noite de inverno, ao mesmo tempo que, em silêncio, pensávamos nas intenções que levaríamos para dentro do ventre da mãe. como se, dali a pouco, a oportunidade que nos ia ser dada de renascermos de novo pudesse alterar muitas coisas nas nossas vidas - sobretudo, nos nossos comportamentos e atitudes.
não me lembro ao certo o que foi que disse em voz alta, já que é sempre em voz alta que expressamos as intenções, para que todos os que fazem parte do círculo possam ouvi-las, mas sei que pedi. pedi tanto... tanto, tanto e tantas coisas! pedir é, afinal, tão humano, não é? pedir paz, pedir amor, pedir luz para o caminho é a prece diária de qualquer ser mortal, que assim tenta livrar-se - ou simplesmente integrar - a dualidade que encarna. pedir que o FOGO derreta os padrões, que a TERRA acolha as sementes e nos dê a colher os seus frutos, que a  ÁGUA dissolva os bloqueios e as emoções negativas, que o AR seja um alento para o espírito... assim pedi eu e pedi isso tudo! na companhia dos quatros elementos, nua e sozinha, despida de máscaras e recolhendo às minhas próprias entranhas, pedi paz e amor e muita luz para o caminho e, sobretudo, coragem para ultrapassar aquela crise profunda em que estava na altura.

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a intensidade de tudo o que se passou a seguir ficou marcada para sempre - no meu corpo e na minha alma. foram horas em que, esquecida do tempo, numa luta contra o calor que me comia por fora e o escuro que me aflorava por dentro, me desprendi de tudo o que era e me entreguei à mãe terra, como um recém-nascido que não sabe nada das coisas do mundo, mas que se lembra ainda de tudo o que trouxe do céu. lembro-me de estar enroscada, tal como um feto no útero materno, e de ter chamado  baixinho, a chorar, a terra de mãe. e de ela me ter acolhido e me ter abraçado e de só assim ter sido possível suportar tanto suor e tantas lágrimas.
   
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durante estes últimos anos, repeti o ritual outras vezes e, ontem, pela oitava - número que sempre associo à espiral infinita do movimento do cosmos  - voltei a suar e a chorar nas entranhas da terra.
estava uma noite morna de outono, a lua já não estava tão cheia, mas ainda branca e redonda num céu polvilhado de nuvens e estrelas e, se estou numa 'crise' - e creio que estamos sempre a passar por alguma - a minha é agora de crescimento e de (auto)cura, e já não de  impotência e desespero. não sei se por isso, a minha intenção foi tão clara que não tive uma dúvida quando, em voz alta, a expressei dentro do círculo, de olhos postos no céu e dirigindo-me a Deus
  já pedi tanto, e tantas coisas, e já tanto e tantas coisas me foram dadas ao longo da vida, que hoje venho oferecer-me. a Ti e ao Fogo e à Terra e à Água e ao Ar, para que a cura aconteça, de facto, e curada eu possa Servir na cura dos outros.
posso dizer-vos que foi o temazcalli mais duro, mais difícil e o mais intenso dos oito. e é por isso que me sinto tão grata.

4 comentários:

  1. Conheço o ritual pois uma grande amiga minha já o fez também algumas vezes. Nunca surgiu essa oportunidade no meu caminho, e a minha postura é sempre, a seu tempo, se estiver preparada, as coisas surgem por si mesmas :)
    Gostei muito desta partilha...um dia quem sabe?
    Namastê

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  2. olá! não me surgiu essa oportunidade, ainda (?) :)
    gostei muito desta partilha (e do blogue em geral), da entrega que faz nas suas palavras!
    beijinhos

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  3. Fiquei interessada em fazer. Existe algum grupo, contato como é isso?

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