e afinal cais. abres os braços, mas não chega. é a mulher a quem colaram a cabeça que vai nua, mas a ti espartilharam-te a cintura, pentearam-te o cabelo a parecer loiro, aos caracóis, é sempre um risco querermos ver o que não há, como poderei saber se és loira, se não há cor na tua dança?
e não te iludas: ele não chora. é só mais um boneco a quem arrancaram os olhos e não é tristeza a tinta negra que lhe escorre pela cara, mas apenas a caneta transmutando um dom dos dedos. além disso, ele usa brincos, o que talvez te leve a crer que ele não é ele, ele é ela e ela és tu, não a que dança e também não a que está nua, e a quem colaram a cabeça, mas tu própria, essa de quem andas à procura há tanto tempo e que se encontra no teu centro desde sempre, como é que tu não a vês?
vês?
como nos iludimos tanto, a procurar onde não estamos, mas afinal danças porquê? danças para quê? cais do desenho e denuncias que a leveza tem um peso, há sempre um preço a pagar por uma dança, há sempre aquela mulher nua que não se mostra como a vês e que precisa que lhe arranquem a cabeça, e que não lhe colem outra, há sempre um homem a chorar nos pesadelos da tua sombra, há tantas coisas que gostavas de fazer acontecer e onde me espanto é onde não vês: todas as coisas que te vão acontecendo enquanto danças.
queres dançar? pois então dança! tu és ela e ela é ele e ele sou eu e as sombras que nós vemos projectadas na parede não são traços a caneta transmutados pelos dedos, por maior que seja o dom, dos dedos dela, dos teus dedos, mas a vida em movimento e, para dançar, basta-te ouvi-lo, para dançar basta-me ouvir-te,
ouviste bem?
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