posse, é :) possuir algo ou alguém, pois... reivindicar que coisas e/ou pessoas nos pertencem, ah!... digo eu, a forçar uma pose desprendida, mas presa ainda - e como ainda tanta gente - a esta ilusão da posse. e a primeira imagem que me ocorre é a da minha filha Luisinha, já não me lembro com que idade, a insurgir-se quando via um dos irmãos sentado no meu colo e a perguntar-lhe, com um ar entre o mimado e o zangado, 'o que é que tu estás a fazer ao colo da MINHA mãe?' e eu a rir-me dela, não de troça, mas para ver se desmontava a ciumeira, a explicar-lhe que a mãe dela era a mesma mãe para os quatro, não era um quarto de mãe, e que o colo que eu oferecia a cada um, vendo bem, nem sequer pertencia a nenhum deles, mas a mim própria. e que, por isso, e sendo intacto, ele nunca se dividia, nunca seria só um quarto para cada um dos quatro, mas o mesmo colo inteiro onde todos eles cabiam.
recuo e ocorrem-me mais coisas, mais imagens, como a de eu própria pequenina e o colo da minha mãe sempre ocupado por sucessivas gravidezes, duas das quais mal sucedidas, e outras duas que acabaram com a minha primazia e com a exclusividade de ser a única filha e passar a fazer parte de um trio. ocorrem-me várias cenas de ciúmes - e algumas lamentáveis! - que fazia aos namorados e, às vezes, às amigas, de cada vez que sentia ameaçado o tal lugar de primazia, como se a exclusividade tivesse de me ser conferida por alguém fora de mim, como se tal fosse possível.
o que tem graça é que, quando a cena era ao contrário, quando eram os namorados cheios de crises de ciúmes, ou as amigas enxofradas com a falta de exclusividade, ou a minha filha Luisinha a reivindicar o colo para ela, eu me ria - como ainda hoje me rio - com a perspectiva de que alguém possa pensar que, de alguma forma, eu posso ser pertença sua.
cada vez mais, vou tomando consciência de que esta nossa humanidade é, de facto, um campo fértil para equívocos. e que a linguagem, com os seus pronomes possessivos e outros modos de pertença, nos faz crer na ilusão de sermos donos das coisas. 'meus' e 'minhas' são designações que usamos, todos nós, a toda a hora. e que a todos nós conferem o prazer e o poder de possuir, seja coisas ou pessoas. mas as coisas, e disso sabemos todos, são perenes e efémeras. o que hoje é a minha casa pode amanhã ser um mero monte de escombros - basta haver um terramoto! -, o que hoje é o meu carro pode amanhã ter outro dono, o que hoje é o meu-seja-o-que-for pode amanhã ter-se perdido, desfazido, ou até não ter sentido ser mais meu, porque tudo é passageiro e da matéria pode um dia não sobrar mais nenhum rasto para lhe contar a história ou dar-lhe um título de propriedade.
já as pessoas - a minha mãe e o meu pai, os meus irmãos e os meus filhos, os meus amigos e amigas - são meus como? em que ilusão caímos todos, quando dizemos ao marido ou à mulher, à namorada ou ao namorado, 'sou só tua', 'és sempre meu'? ah, ao mesmo tempo é tudo tão engraçado, tudo tão sem importância quando, enfim, nos damos conta de que só nós nos pertencemos a um nível que está para além da linguagem. e que é precisamente quando não nos pertencemos, quando deixamos de exercer o nosso poder legítimo, quando damos aso ao medo e asas a esta fantasia de que estamos separados que vem à tona a ilusão de ter e querer possuir algo ou alguém que preencha e que complete o que, por si só, já é completo e preenchido.
tudo muito divertido, realmente, quando olhamos de frente esta nossa humanidade e reparamos que nem a ela pertencemos, nem quando ela nos agarra e nos comprime e nos limita e nos faz acreditar, em frente ao espelho, em frente aos outros, que este é o 'nosso' corpo. tudo um pouco baralhado, sim, dentro da minha cabeça que talvez nem seja minha, tudo tão claro e transparente, quando transpondo a matéria eu me transcendo e me sinto pertencer e possuir tudo e nada ao mesmo tempo. tudo parecendo o que não é e sendo aquilo que não parece, quando escrevo aquilo que sinto e me dou conta que o que sinto estará sempre para além daquilo que escrevo.
Isso que sente é estar no mundo sem ser do mundo Inês...rsss
ResponderEliminarPor isso que tudo é Maya, com dizem os indianos!
Outra coisa:
A bonequinha que aparece na direita da foto é exatamente igual a uma que ganhei de presente no primeiro Natal da minha vida. Dei-lhe o nome de Mali, da seguinte forma:
- Oh! Mali...enfim viestes!!!
Minha mãe surtou é claro!!!!hahaha
Beijos por mais um texto excelente!
Astrid Annabelle
é: nada, nem ninguém é nosso..
ResponderEliminare depois aí, entram todos os pressupostos ou instituídos: papéis..
do filho, Pai, irmão, primo, amigo, companheiro, namorado, casado, dono, etc, etc... apesar de não haver manuais e mto menos de k eles sejam iguais pra toda a gente... e depois entram os 'supostos' sentimentos e as respectivas emoções... só ilusões <3
Provoca-me sempre uma estranha impressão quando o pensamento/sentimento de uma, mil ou dez milhões de pessoas se apresenta como o pensamento/sentimento da "humanidade". Como se a categoria social/cultura/momento histórico a que se pertence aniquilasse os "diferentes". De facto, esta "aldeia global" não é mais que pequenas aldeias sem limites físicos, que se pensam ser o mundo inteiro. Seria este espírito que movia os missionários dos conquistadores?
ResponderEliminarnossa, achei lindo seu post!
ResponderEliminarSou pedagoga e lhe digo, essa fase de criança passa. Desde que, nós adultos, nos preocupemos em educa-la para viver em compartilhamento e uniao!
Estou te seguindo a partir de agora.
Adorei seu blog. Parabéns!
beijoos ;)