quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

amor, amor, amor ♥



não houvesse esta mania de querer dar nomes a tudo e o amor, seguramente, não gerava mais equívocos. não houvesse tanta gente a defini-lo e a querer rimá-lo, a querer contê-lo e assegurá-lo, a precisar de o ter para si, a medi-lo e a pesá-lo, a oferecê-lo à boca cheia e a cobrá-lo de mãos vazias, a manipular-lhe o cheiro e o toque e o paladar, a compor-lhe melodias e a descompô-lo em várias partes, a procurar-lhe uma batida e a perdê-lo em pulsações, a confundi-lo com uma série de emoções que vão do ciúme à raiva, a manipular-lhe o gosto e a gastá-lo em ninharias, não fosse esta linguagem que quer dar significante ao que não tem nem pode ter significado, esta fragilidade humana de sentir que o amor pode não fazer sentido, a gramática a tornar a substância em substantivo, não fosse isto e o amor não era isto nem aquilo nem aqueloutro, apenas era aquilo que é: inominável.
não fossem os romances, as novelas, os Romeus e as Julietas, os mitos que se criam em torno do grande amor da nossa vida - sempre na pessoa de outro - as ilusões do felizes para sempre e da morte a separar-nos do que é uno e indivisível, se não houvesse a biologia dos afectos nem a química dos corpos nem os traumas da genética nem as doenças dos homens, o amor tanto podia ter o nome de uma flor como a textura de uma pedra como a cor de uma floresta como o som da via láctea e seria, simplesmente, aquilo que é: inominável.
se não houvesse nenhum nome para o amor, o amor não era nada e era tudo aquilo que houvesse. se, enfim, nos libertássemos de todas as definições e de todos os poemas e de tudo aquilo que dizem que o amor foi ou vai ser, todas as crenças e todas as frustrações, todas as sombras, se em vez de o nomear o respirássemos, se em vez de o envolver nas nossas histórias nos envolvéssemos com ele sem lhe chamar coisa nenhuma, se fosse fácil mais ninguém falava nele porque não era preciso.
mas todos falam, todos falam no amor, todos falam do amor, todos chamam ao amor o nome amor, todos nomeiam tantas coisas quando dão nome ao amor, todos crêem no amor, todos o querem, há tantas definições afinal para a mesma coisa e não há nenhuma coisa, em bom rigor, para se dizer que o amor é. porque não é coisa nenhuma, apenas é: inominável.

2 comentários:

  1. Parabéns, Inês!

    Mas é da natureza humana, penso, a tudo atribuir uma designação, uma descrição... Mesmo nos casos em que tal possa ser tão polémico como o amor.
    É por isso que se calhar não existe 'amor', mas mais 'amores'... e os olhos - e a cabeça - de cada um verão uma côr diferente, conforme o nome que lhe pretendam dar...
    Mas gostei muito, voltarei! (como disse o MacArthur ao sair das Filipinas... :o)
    Carlos Ferreira

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  2. E o "amor próprio"? Tradicionalmente masculino, foi recentemente traduzido para o feminino por "auto estima". Como harmonizar-se com "o outro" sem a vibração subtil da vida inteira dentro de si? Primeiro, ser inteiro e uno. Depois, irradiar e receber.

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