'por cada ciclo de criação, há um ciclo de destruição'
quando, há umas semanas atrás, num rápido workshop sobre a Sombra, o Emídio me pediu que dissesse qual a melhor qualidade que reconhecia em mim, não hesitei um segundo: criatividade! disse-o segura do que estava a dizer, com um sorriso. várias outras pessoas foram chamadas a responder à mesma pergunta e cada uma deu a sua resposta. a seguir, foi-nos pedido que pensássemos, desta vez em silêncio, nos opostos das qualidades expressas. hesitei. 'improdutividade', 'preguiça', 'monotonia' e 'copiar' foram as palavras que me surgiram.
hoje à tarde, na praia, e depois de ter passado a manhã a ler uma parte do livro que o Emídio disponibilizou para download - a Sombra Humana -, voltei a sentir essa criatividade que sai quase sem esforço de mim em quase tudo o que faço, desta vez no simples juntar de um molho de conchas para fazer uma pequena mandala. 'sou tão criativa!' é um elogio que sempre fiz a mim própria, sim. 'és tão criativa!' é um elogio que sempre ouvi dos outros, é verdade. foi então que, sem mais nem menos, destruí a pequena mandala que tinha feito e que descobri o oposto da Inês criativa: a Inês destrutiva!
recuei à minha infância e revi uma cena que se repetia com imensa frequência. depois de convidar os meus irmãos para brincarem comigo às casinhas, e de as montar com paciência e perícia com almofadas, cadeiras, mantinhas, havia qualquer coisa dentro de mim que me impelia a destruí-las, tantas vezes antes ainda de ter dado início à brincadeira. a seguir, revi outras cenas idênticas. e, por trás, ouvi claramente a voz dos adultos que me diziam: 'que pena! fazes coisas tão lindas e depois estragas tudo!'
é óbvio que a Inês destrutiva não resistiu muito tempo a este 'que pena! fazes coisas tão lindas e depois estragas tudo!' ou antes: é claro que a Inês destrutiva resistiu, mas escondida, algures dentro de mim. não deixou de ser destrutiva, mas passou a 'destruir' pela calada. ou seja, começou a esconder - de si própria e dos outros - que fazia coisas tão lindas e que estragava tudo a seguir.
agora mesmo, enquanto escrevo estas linhas, faço por aceitá-la, chamá-la e torná-la minha aliada. se por cada ciclo de criação há um ciclo de destruição', eu preciso - muito! - da Inês destrutiva para me destruir, re-criar e viver mais um ciclo...
'és a pessoa mais bondosa que eu já conheci'
dizia-me ontem alguém muito próximo, acrescentando a seguir: 'fizeste de mim um homem melhor.' ontem ainda, depois de me ter dito isto, sorri e respondi-lhe: 'não estás a ver mais do que a bondade que existe em ti.' hoje, revi as maldades que fiz a este homem - e acreditem que foram algumas. a seguir, lembrei-me de ter ouvido dizerem-me, tantas vezes quando era pequena, 'és um diabo com um coração de ouro' ou 'a seres uma flor, eras o cacto: porque tens picos, mas dás uma linda flor.' e é-me difícil sentir onde se separam e onde se juntam a boa e a má. é-me ainda díficil sentir se a sombra da boa é a má ou se é a sombra da má que é a boa. porque, se quiser ser honesta, tem dias em que me dá imenso prazer ser a boa e outros em que me dá imenso prazer ser a má. e então talvez nenhuma das duas tenha ficado verdadeiramente na sombra, talvez nenhuma das duas esteja na luz, talvez esta seja uma dualidade que sempre aceitei, afinal, e que eu não seja nem boa nem má, mas alguém - como toda a gente que existe no mundo - que é capaz de fazer coisas boas e coisas más...
'a tua escrita faz muito ruído'
foi uma 'acusação' que ouvi inúmeras vezes ao longo dos últimos tempos. e foi tal o incómodo que, a certa altura, calei-a: à escrita. e, no entanto, durante que tempos também, centrei-me onde não era realmente importante centrar-me: na 'acusação'. desta perspectiva, é óbvio que não era possível ver mais do que uma grande injustiça. como é que alguém se atrevia a dizer que a minha escrita fazia muito ruído? e, se isso me incomodava assim tanto, onde é que estava o ruído?
foi necessário muito silêncio para sentir que o 'ruído' - em mim, e já não na perspectiva de quem me acusava de o fazer - era uma des-sintonia entre o que eu escrevia e o que eu realmente fazia. o 'ego espiritualizado' é um 'personagem' que tem vindo a ganhar muito relevo nesta era dita 'new age' e, como não sou excepção, encontrei-o em mim. está tão bem montado que há dias em que acredito ser realmente uma 'iluminada'! e em que vou buscar a 'espiritualidade lindinha' para servir de verniz à minha escrita... esse é, então, o ruído. e, no entanto - e aqui estou eu a escrever outra vez - se há um propósito naquilo que escrevo - para além do gozo imenso que me dá escrever só por escrever - é a 'terapia' que faço a mim mesma, quando me ponho à mostra e à vista de todos os que me queiram ler. e pôr à mostra, mais uma vez, não é escrever tudo 'lindinho': é cuspir também o que é sombra cá dentro. por alguma razão, durante anos a fio, escrevi num blog onde não dava a cara. chamava-se conta-me tudo, ao princípio, e mais tarde de vidro e de outras substâncias anónimas, e eu assinava Sophia. está cheio de sombras cuspidas, mas não havia ainda a coragem para assumir que quem as cuspia era eu e que a Sophia era só uma máscara...
e no resto - que ainda é quase tudo - já sei o que sinto. mas, para sentir de verdade o que sei, nada como continuar a 'cuspir-me', a despir-me, a destruir-me, a re-criar-me a cada dia que passa...
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ResponderEliminarOlá, Inês
ResponderEliminarInfelizmente, acho que o Emídio fechou o arquivo do livro "A sombra humana" e não é mais possível acessá-lo.
Uma pena... Comecei a lê-lo online e hoje, quando fui retomar a leitura, não consegui.
Um abraço a vc e saiba admiro muito sua escrita.
Helô