quarta-feira, 1 de junho de 2011

a m o r [ t e ]

assim estava eu, há vinte anos atrás: vestido branco comprido de noiva, véu nos cabelos que tinha deixado crescer, um bouquet - piroso! - de rosas nas mãos, a posar no jardim de Pedrouços para o álbum das nossas memórias, enquanto tu esperavas, nervoso, que à última hora eu não aparecesse e deixasse vazio o altar dos teus sonhos.
sonhaste-me,
e sabes,
muito mais do que eu.
por alguma razão, alguma emoção ou mesmo mistério, eu era a mulher dos teus sonhos e esperavas de mim que viesse cumpri-los:
amar-te e honrar-te e ser-te fiel todos os dias das nossas vidas.
palavras à parte, é assim que tem sido. um amor à prova de gritos, apelos, posses, apegos, expectativas, cobranças, criando os filhos no privilégio e na honra de ser a mãe terra e tu o pai céu, fiel à essência benigna e comum a todos os seres.
celebro, então, isso contigo. esta certeza de que o amor não é o que vulgarmente chamamos de amor, mas a mais pura energia da cura e da conexão com o espírito. celebro a tua presença na minha vida, que não carece de provas nem de demonstrações de espécie nenhuma, celebro a esperança de que a humana idade me traga mais consciência e mais maturidade para que, um dia, me volte a casar com a mesma verdade com que hoje me sinto casada contigo.
sim, na terra não somos - ainda - à prova de gritos, de apelos, de expectativas, de posses, de apegos... cobramos do outro o que, afinal, só a nós próprios podemos pedir, mas eu acredito
e tu sabes que eu acredito
que esse é o caminho, que é esse o milagre e que os encontros, os re-encontros e os desencontros revelam, a cada agora, de que forma podemos tirar ensinamentos dos passos que damos, uns à frente, outros atrás, e como cada experiência nos mostra onde é que ainda repetimos padrões e onde é que já somos capazes de os transcender.
na terra, a forma mascara o conteúdo e tantas vezes deixamos que o quadradinho seja a medida para aquilo que não tem, afinal, enquadramento possível. pode ser longo e penoso o caminho que nos leva da cabeça para o coração, mas há doze anos que o faço contigo e não desisto de o repetir com alguém cá em baixo...
porque, de facto, meu querido, hoje podia estar triste e não estou. podia estar para aqui a consumir-me no filme do que ficou por viver entre nós, vestida de escuro e de luto, muito mais do que de branco e de noiva, a atolar-me na pena que sinto por não te ter ao meu lado a dar colo aos filhos, na tortura que são as saudades das festas, na viola e na voz silenciadas em casa... e, no entanto, por tudo dou graças. pela luz que me envias, pelos sonhos de que me despertas, por velares pelos filhos, por ocupares a orla das portas e me mostrares que estão sempre abertas, até pela voz com que entoas os hinos do céu e cujo eco oiço na terra, no vento, no mar, no meu peito.
vinte anos depois, dou graças por me teres sonhado com tanta verdade e por me teres levado ao altar. por essa morte que não foi mais do que deixar de te ver com os meus olhos humanos e que me abriu a alma para paisagens mais vastas. é uma honra e um privilégio, uma sorte! estar, há vinte anos, casada contigo, uma aprendizagem que tenho vindo a fazer, uma esperança e uma certeza de que não abdico: de que o caminho a dois se faz em verdade e partilha e de que o amor assim é na terra como no céu a energia mais pura da conexão e da cura.
 


5 comentários:

  1. Bravo, Inês, grande texto, profunda e valiosa vivência e supra-consciência...
    Parabéns e muita luz e amor no Caminho, difícil mas belo e divino...

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  2. obrigada, Pedro. não pelo elogio - que apenas ao Ego faz bem - mas pelas palavras do outro dia, lá no Colóquio, que ecoaram tanto cá dentro. e assim vamos: dialogando e impulsionando (nos).

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  3. simplesmente.....Divino...

    abraço na alma...

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  4. "por essa morte que não foi mais do que deixar de te ver com os meus olhos humanos e que me abriu a alma para paisagens mais vastas"... é assim mesmo que sinto... todas as "mortes" têm o seu propósito... Já passei por uma aos 19 anos, quando a mãe partiu e eu fiquei sozinha no mundo... Sozinha, não, porque sempre senti e sinto que estou nos seus braços... A sua partida fez com que eu seja aquilo que Sou agora e só lhe tenho de agradecer.
    Não consigo escrever mais... as lágrimas correm... lágrimas de paz... Belíssimas palavras querida Inês. Muito obrigada.
    Beijihnhos ♥
    Rita

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  5. Lindo Inês....principalmente quando você diz:"...o caminho a dois se faz em verdade e partilha e de que o amor assim é na terra como no céu a energia mais pura da conexão e da cura."
    Grata
    Sinta-se abraçada!

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