sexta-feira, 24 de junho de 2011

'és o exemplo que o mundo aguarda'



escreveu o Emídio, quando hoje partilhou o meu texto 'mais sombra' no seu mural do FB. sorri. lembrei-me de lhe ter dito, naquele workshop que fiz com ele, 'és uma pessoa que admiro imenso' e de ele me ter respondido 'estás a projectar, estou-me nas tintas para a tua admiração!'
quando, enfim, entendemos o mecanismo das projecções - e mesmo que o caminho da mente para o coração seja lento e, na maior parte das vezes, difícil - e ousamos começar a aplicá-lo na prática do dia-a-dia, espantamo-nos como foi possível resistir tanto tempo!...

depois da manhã no jardim, espiando as minhas sombras na sombra das árvores e fazendo por desmontá-las com a ajuda da escrita, fui para a praia. a areia escaldava-me os pés, o sol estava a pique, fui incapaz de me expor aos seus raios e abri o chapéu. delicioso!, lá estava eu na sombra outra vez :) aproveitei a presença do T., da M. e da F. e pedi-lhes que, por favor, pensassem em três defeitos e três qualidades que encontravam em mim. também lhes pedi que não os dissessem à frente uns dos outros e que levassem o tempo que fosse preciso.
pouco depois, o T. estendeu-me o telemóvel, onde tinha escrito o que eu lhe tinha pedido. o T. é austríaco e falamos em inglês um com o outro. achei querido, quando me explicou que não tinha querido pensar em 'defects' e 'qualities', mas sim em 'neglected qualities' e 'qualities'. na sua opinião, as minhas qualidades negligenciadas eram a empatia, a alegria e o gosto pela música. quanto às qualidades, o T. considera-me criativa, activa e aberta de espírito. agradeci e provoquei-o: 'agora, se quiseres, descobre onde negligencias a empatia, a alegria e o gosto pela música... e descobre onde és criativo, activo e aberto de espírito!'
a M. é a minha irmã mais nova e, por isso, conhece-me bem. mas reparei que não era assim tão fácil apontar-me três defeitos e três qualidades. por fim, lá me disse: 'és criativa, empreendedora e generosa. o problema é que, mesmo sendo generosa, és egoísta. és instável. e és alguém com quem não se pode contar... quer dizer, também és alguém com quem se pode contar, mas nunca se sabe...'
finalmente, a F. - que é a minha filha mais velha - descreveu os três defeitos e as três qualidades da seguinte maneira: 'a mãe tem ideias mesmo boas e teorias mesmo certas! nesse aspecto, é uma sábia. o problema, ou o reverso desta sua qualidade, é que não as põe em prática! depois, é muito paciente. sobretudo, com as suas mandalas e com os seus mapas. mas não tem paciência nenhuma para os filhos! finalmente, considero um defeito a mãe dizer aos outros o que devem fazer e depois a mãe, afinal, não fazer nada disso. diz-nos para não fumarmos... e fuma. diz-nos para não gritarmos... e grita!' faltava uma qualidade e a F. hesitou entre 'escrever muito bem' e ser 'aberta de espírito'.

se me perguntarem se descobri alguma Inês que não conhecia... tenho de dizer a verdade: conheço-as a todas. mas, continuando a dizer a verdade, há umas de que não gosto nada! da Inês que negligencia a alegria e a empatia; da Inês instável; da Inês que não pratica as teorias; da Inês que diz para os outros não fazerem... e faz. 
o passo seguinte, calculo, é descobrir de que forma a Inês que negligencia a alegria e a empatia me pode ser útil. como é que uma Inês instável me pode dar estabilidade? como é que das teorias posso passar à prática?...

o dia ainda não tinha acabado, mas eu tinha ainda na sombra as Ineses que o meu amigo me tinha sugerido que 'trabalhasse': a malcriada, a bruta, a ciumenta e possessiva, a injusta, a que acusa e fabrica bodes expiatórios, a mentirosa, a interesseira, a falsa... uau! tantas! mas... sabem que mais? descubro o quanto a escrita sempre foi preciosa para que nenhuma, de facto, me consiga apanhar desprevenida ou em profundo estado de negação quanto à sua existência-fantasma. a criação de personagens, nas minhas histórias, sempre deu aso a que as minhas Ineses da sombra pudessem ter voz e isso, reparo agora, foi uma ajuda fantástica para que este processo vá podendo avançar!
e, então, com a mesma frontalidade com que olho para as Ineses onde o meu amigo projecta as suas sombras, mesmo que ainda não saiba nem queira vê-las, olho para todas aquelas que, também eu, projectei nele. e somam-se à longa lista: a arrogante, a manipuladora, a controladora, a infiel, a insensível, a inconsistente, a inflexível, a coitadinha, a doente...

eu não sou o exemplo que o mundo aguarda! - mesmo aceitando, e sem corar de vergonha ou pudor - os elogios do Emídio. sou, isso sim, o exemplo que EU própria aguardo. se não o der a mim mesma, como posso esperar recriar-me, mudar-me, fluir, fluir, fluir com a vida? e se, ao fazê-lo, ponho o meu dom de saber escrever ao serviço dos outros... que bom para mim!

1 comentário:

  1. Querida Inês, digo a muitas pessoas "és o exemplo que o mundo aguarda" e em realidade é mesmo o que tu dizes. Sê o exemplo que queres dos outros. Quando me mostrares que é fácil, e bom, assumir a totalidade que és, ser-me-á mais fácil a mim seguir o teu exemplo. A mente humana passa a vida a apontar o dedo aos outros, a querer que mudem, que sejam diferentes. E nós?... Se é fácil mudar, poderia começar por mim? Se é fácil amar, poderia começar a amar sem esperar rigorosamente nada em troca? Puro deleite. E ao ler as tuas palavras observo que estás a seguir o mesmo percurso que eu fiz há uns anos. Acho que por vezes sou o exemplo... e basta sermos o exemplo para outro ser humano, só um. Um ser humano que se ama e nada espera dos outros significa menos um ser humano em guerra no planeta. Delicioso :)

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