quarta-feira, 24 de novembro de 2010

'voltar para casa'


 'a morte é a coisa mais difícil para quem está 
do lado de fora e enquanto se está do lado de fora. 
mas, uma vez lá dentro, prova-se uma tal plenitude, 
paz e realização que não se quer regressar.'


C. G. Jung

 ✼ ✼ ✼

tudo pode ainda mudar e o título não é definitivo. a ideia, porém, anda há já muito tempo comigo. depois de ter escrito o 'Morrer é só não ser visto', a morte voltou a ser tema de um outro livro, que escrevi quase até meio. o ponto de partida eram as conversas que várias pessoas tinham tido com a médium Anne Germain e o  objectivo saber até que ponto essas mesmas conversas tinham mudado a forma de cada um olhar para a morte.

cheguei a fazer as doze entrevistas, a desgravá-las e a editar a maior parte dos textos, tinha mais de meio livro pronto quando um dia, sem mais nem menos, falei à minha editora a dizer que, afinal, abandonava o projecto. acreditei, nessa altura, que a morte, enquanto tema de escrita, seria posta de lado e que me viraria para os vivos. existe em nós todos, ainda, esta crença de que os assuntos da morte são mórbidos e que andar por aí a 'escarafunchá-los' só nos pode trazer melancolia e tristeza. quantas vezes não me disseram, perante a minha insistência no tema da morte, que era muito melhor deixar esse assunto de lado e dedicar-me a 'coisas mais leves'. 

acredito que ninguém queira, ainda, admitir que a morte é a maior e a única certeza inabalável da nossa vida e que todos os dias morremos um pouco até ao dia em que, finalmente, voltamos para casa. afinal, é muito mais confortável escondê-la, fazer de conta que ainda não espreita o nosso horizonte, que todo este apego que temos à vida a poderá iludir para que não chegue antes do tempo. nesse tal livro que deixei a meio, uma das pessoas com quem falei dizia-me 'se, por acaso, eu morresse amanhã, seria terrível! tenho ainda tantas coisas que quero fazer...'
esta sensação de que a morte interrompe seja o que for que ainda houver para fazer é comum, acredito, à nossa espécie mortal. e o homem não se conforma com a sua mortalidade, a não ser no momento em que for capaz de sentir que mortal e perene é apenas o seu corpo físico e as coisas da Terra, mas que aquilo que o anima - chamemos-lhe alma ou espírito ou consciência - é e será sempre imortal. 

'voltar para casa' é então, e para já, o título de um próximo livro onde a morte, de novo, é o tema.  não tenho pressa nem prazo de entrega e procuro quem queira partilhar o seu testemunho. procuro quem, sabendo que a morte está perto, a olha de frente e se prepara para a próxima etapa. por mais que possa ainda existir aquele medo do desconhecido, acredito que existam pessoas que, de repente, se rendem. que se preparam para partir com a consciência de que tudo o que aqui deixam não tem importância nenhuma. e, não, não me sinto a 'escarafunchar' no que é mórbido e também não tenho a veleidade de estar a escrever para 'ajudar' quem quer que seja. sinto-me bem a escrever e é só e os mistérios da morte fascinam-me. 

quando era muito pequena, costumava dizer aos meus pais, a chorar, 'quero voltar para casa'. não tenho uma dúvida de que estamos aqui de passagem, de que a vida é um dom e de que vivê-la é uma aprendizagem maravilhosa e escolhida por cada um de nós. mas também tenho a certeza que a morte não põe fim a nada que não seja a matéria. e que quando nos é dado tempo para a vislumbrarmos no nosso horizonte - o que nem sempre acontece - podemos escolher se a olhamos de frente e nos preparamos para a grande viagem, ou se, pelo contrário, deixamos que o medo, de novo, tome conta de nós e nos invada.

ando então à procura dessa coragem e de quem dela me queira dar testemunho. de pessoas que, a curto ou médio prazo, tenham 'os dias contados' aqui na Terra e para quem a ampulheta do tempo não lhes virou a vida de cabeça para baixo, mas lhes reorganizou as prioridades, lhes alimentou a engrenagem do desapego e as direccionou para uma nova contagem. 
não tenho pressa nem prazos... e sei, como aconteceu com o 'Morrer é só não ser visto', que as pessoas que irão 'aparecer' serão aquelas cujos testemunhos darão do nosso regresso a casa a versão da viagem de serenidade, paz e realização de que fala Jung.

9 comentários:

  1. quem procura não encontra...

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  2. porque não há nada pra encontrar: acho eu...

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  3. Inês!
    A morte súbita e totalmente inesperada do meu marido me fez reconsiderar as minhas crenças e idéias sobre a morte.Já te disse isso. Refiro-me aqui ao tema que abordou sobre o que as pessoas fariam se tivessem os dias contados.
    Hoje eu sinto que cada instante é precioso e que precisa ser vivido da maneira mais verdadeira e total possível. Que as coisas que consideramos tão importantes nem sempre o são. O próximo minuto???quem sabe???
    E, mais do que olhar para a morte, prefiro enfocar a vida que vivo. Estou feliz? estou alegre? e por aí vai...
    Esse assunto mexe com o medo mais profundo do ser humano...o desconhecido!
    Eu gosto de vir "conversar" contigo!Pena que nem sempre está sendo possível.
    Beijos
    Astrid Annabelle

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  4. Estamos de passagem aqui na Terra, a escola da vida, para aprendizagem e aperfeiçoamento da alma. Durante nossa breve existência somos discípulos e também mestres, pois toda troca de experiências com os semelhantes traz preciosos aprendizados, que possibilitam apararmos as nossas arestas e lapidarmos o nosso espírito, ainda uma pedra em estado bruto, porque ainda somos seres imperfeitos, apesar de carregarmos a centelha divina na essência e sermos a imagem e semelhança do Criador. Nascemos e vivemos com algum propósito específico, uma missão que nos é dada, e não existem coincidências na vida. Tudo o que acontece tem uma razão específica que faz parte do aprendizado e evolução espiritual de cada um. Após cumprida a missão ou findo o tempo que nos é dado aqui na Terra, somos chamados de volta ao Lar e preparados para uma nova existência.

    "Nos mundos da evolução
    A história é assim resumida:
    A vida prepara a morte,
    A morte refaz a vida."

    Cristina Rios

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  5. O tempo de cada um aqui na Terra difere. Às vezes a morte surpreende os mais jovens, que nunca refletiram sobre o assunto e nem praticaram o desapego como aqueles cuja ampulheta do tempo aponta para o fim, ou mesmo volveram seus pensamentos em direção à possibilidade de realizarem a grande viagem.

    Cristina Rios

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  6. Astrid, a morte súbita e totalmente inesperada do meu marido faz com que te entenda muito bem :)) o tema para este futuro livro, no entanto, não é 'e se eu tivesse os dia contados, o que faria?' mas sim 'tenho os dias contados e agora?' não é uma suposição, mas uma certeza, a médio/curto prazo. uma 'preparação' para a viagem...

    e também gosto que venhas conversar comigo. aqui ou por outros canais.

    beijo grande, os livros vão a caminho :))

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  7. Ai, meu querido António... os selos, os selos... serão realmente importantes? nós - todos nós - somos pura magia... os 'selos' são reconhecimento, sim, e sempre expressão das empatias que nos unem. mas a grande magia existe sem selos e o António sabe disso tão bem como eu :))

    um beijo grande

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