domingo, 7 de novembro de 2010

fnac chiado, 12 de novembro, 18h30

com a 7ª edição nas bancas e mais de 25 mil exemplares vendidos, os que vêem e são vistos juntam-se para falar do que não são vistos, mas continuam a ver-nos. 

na mesa vão estar, além de mim, dois psicólogos para abordar o tema do luto. na assistência, fica feito o convite a todos e todas que, tendo ou não lido o livro, queiram vir partilhar experiências e testemunhos ou, simplesmente, prefiram ficar a ouvir, em silêncio. 

até lá, deixo-vos, sobretudo aos que ainda não leram o livro, com algumas palavras de quem lhe deu voz e com a fé de que morrer é não ser visto... 


'Quase doze anos depois daquele acidente terrível, o que posso dizer é que valeu a pena ter escolhido viver. Valeu completamente a pena! Nunca poderei saber como teria sido a minha vida se a minha família não tivesse morrido. Mas, se eu tivesse morrido também, era uma pena não ter continuado a ter estas experiências, sobretudo a dar e a receber dos outros tudo o que tenho dado e recebido ao longo dos anos. É claro que ainda me lembro, ainda hoje me comovo e tenho muitas saudades. Mas também há muitas coisas que já arrumei. O que não significa que não me lembre da dor, do sofrimento, do desespero... Mas já não é disso que me alimento (...) Quando estive no hospital de Santana, houve uma irmã que me disse uma coisa que jamais esquecerei e que foi o seguinte: “Maria, tu és católica e acreditas em Deus. Então, lembra-te disto. As pessoas que são íntimas são aquelas a quem nós pedimos favores. Foi por seres íntima de Deus que Ele te pediu para que ficasses e servisses de testemunha. Tu foste, de facto, uma vítima de circunstâncias terrenas muito difíceis, mas és também uma pessoa especial para Deus. Permitiste que Deus se servisse de ti para ajudares os outros, para que os outros olhem para ti e vejam como é possível andar com a vida para a frente depois de uma tragédia tão grande.'  
 Maria Monteiro, 48 anos


'A morte, para mim, sempre foi uma coisa muito natural. A ponto de acreditar que a vida era quase um interregno. Vínhamos cá passar uns tempos, vivíamos o melhor que podíamos e sabíamos, e íamo-nos embora outra vez... E eu achava que, quando nos íamos embora, podíamos continuar a tomar conta dos que cá ficavam. Podíamos interceder por eles, ajudá-los... Mas agora o silêncio é tão grande que eu já não tenho a certeza de nada. Já não sei se isso é verdade.Às vezes, oiço barulhos de noite e... queria tanto que fosse ele! Mas não é! Ou é o gato, ou é uma porta que bate, ou o vento... Nunca é ele. Nós tínhamos combinado que o primeiro a morrer voltaria para contar ao outro como era... E, afinal, ele não veio. Talvez seja muito cedo, talvez seja ainda muito cedo... Ainda só se passaram sete meses. E também não sei que tipo de sinais é que eu quero. Talvez esteja à espera de coisas físicas e os sinais não passem por aí, por coisas físicas. Talvez tenha de procurar outro tipo de sinais, não é?'
Rosa Lobato de Faria, 76 anos

'Para mim, a morte é apenas uma coisa física, porque as pessoas não se vão embora. Ou seja, o corpo delas desaparece, mas aquilo que elas são permanece, há uma energia que fica. Mas acreditar nisso não impede que não sintamos a ausência física de uma pessoa e, em casa, foi muito complicado. Éramos cinco e ficámos quatro. Dei por mim muitas vezes a pôr cinco lugares da mesa, inconscientemente... Sempre falámos dele. Continuámos a falar sempre dele, das parvoíces que ele fazia... Era um miúdo muito engraçado, cheio de vida! Há pessoas que mergulham de tal forma no luto que não querem sequer falar de quem morreu. Ou que não tocam nas coisas, como se assim pudessem preservar a presença de quem já cá não está. Nós não. Continuámos sempre a falar dele, mudámos o quarto, guardámos apenas alguns desenhos e demos as suas roupas. (...)  
Se não tivesse passado pela morte do meu irmão, não sei de que forma teria sido capaz de passar pela morte de uma das minhas maiores amigas. Não teria seguramente reagido como reagi. Éramos muito, muito amigas! E conforta-me sentir que não deixei nada por dizer, nunca deixei de fazer nada por ela. Falámos muitas vezes da morte, até por causa da história do meu irmão. E ela dizia-me sempre: “Eu sou imortal! Eu tenho oitocentos e quarenta anos, já ando aqui há muito, muito tempo!” Dizia: “Quando eu morrer, quero que façam uma festa enorme, não quero que ninguém chore por mim. Não faz sentido nenhum as pessoas chorarem por alguém que morreu. Por isso, se eu morrer, celebrem a minha vida, em vez de chorarem a minha morte.”(...) 
Seja como for, não tenho uma dúvida de que tudo isto fazia parte do meu caminho. Não perdi o Pedro por acaso, não perdi a Samanta por acaso. Pelo contrário, as suas mortes foram completamente planeadas pelos deuses. E ambas fazem sentido, ou não teriam nunca acontecido...'  
Joana Cruz, 26 anos

'Tenho a certeza que, do espaço onde está, a Ana pode ver – e vê – a Catarina. Tenho a certeza disso... O horror é não poder interferir. Ela não pode interferir. Mesmo assim, tenho momentos em que estou quase a ceder em vestir à Camila aquilo que sei que a Ana gostaria que ela vestisse... E tenho reacções do género: “Não me chateeis muito, senão ponho-lhe o fato de treino jamaicano...” Ainda há pouco tempo estive em Porto Santo com a Catarina. E houve um dia em que estive na praia com ela do meio dia às seis e meia da tarde. Dentro de uma tenda que comprei, anti raios UV, com um guarda-sol e por cima e, ainda, um daqueles chapéus de palhinha... E senti o insulto da Ana, o seu olhar crítico. Mas não cedi um milímetro. Por isso, imagino o horror com que ela vê, sem poder interferir... Ou melhor, não consigo imaginar... Sempre fomos os dois muito senhores dos seus narizes. Normalmente, quando eu cedia, era porque não tinha mais paciência para aturá-la. Íamos, seguramente, chegar a momentos da nossa vida que seriam muito complicados. A Catarina ia ser uma gestão complicadíssima... E é tão assumido que não tenho a quem pedir opinião que sinto estas coisas todas, como se a Ana estivesse a ver-nos. Mas, aqui em baixo, na Terra, a vida continua... Por isso, se me apetece pôr meias de cores diferentes à Catarina, nem penso duas vezes... Mesmo sabendo que a Ana não só nunca o faria, como nunca me deixaria fazê-lo.' 
Rodrigo Cunha, 47 anos

'É importante que as pessoas percebam que o tempo, por si só, não faz maravilhas! É necessário admitir que, de um momento para o outro, ficámos sem chão e que precisamos de ajuda. E aceitar toda e qualquer ajuda que nos ofereçam. Houve uma altura em que as pessoas me mandavam roupa. Eu, felizmente, não tenho dificuldades financeiras... Mas adorava! Achava o máximo! Um dia, uma amiga minha disse-me: “As pessoas mandam-te roupa?! São malucas! Tu não precisas de roupa!” (Por acaso, até precisava. Porque tinha emagrecido muito, estava a usar dois números abaixo e nada me servia...) Mas a minha amiga achava aquilo ofensivo. Eu, pelo contrário, achava o máximo! Como é que eu me podia ofender com o facto de as pessoas me quererem ajudar? Quando via o saco chegar e pensava na maluquice das vidas que toda a gente tem hoje em dia e que, mesmo assim, alguém se tinha lembrado de pôr umas coisas de lado... achava o máximo! Penso que é esta abertura que deixa que as coisas venham ter connosco. Nós é que, às vezes, nos achamos muito auto-suficientes. Ou já nascemos ligados e conectados com qualquer coisa maior, e talvez haja pessoas assim, como Jesus Cristo, ou então há sempre uma grande solidão, uma perplexidade perante a vida, uma busca sem fim. Há uma solidão chata no ser humano. É preciso ultrapassar muitas cascas para realizar que nunca estamos sozinhos, mas o processo não é nada fácil. A morte do Pedro, de alguma forma, abanou as minhas estruturas, fez com que eu começasse a descascar-me. Não sei se teria sido capaz de o fazer sem esta perda, sem esta tristeza profunda, sem esta dor gigantesca.'  
Matilde Morais, 42 anos 


4 comentários:

  1. Olha, porque sim! E o selo 'Dardo' vai para... TI!

    http://svworkshops.blogspot.com/2010/11/nunca-na-vida-pensei-que-levar-um-selo.html

    Beijo na Mandala do coração*

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  2. Inês!
    Minha lição de casa nessa vida é justamente aprender a lidar com as impermanências da vida e a compreensão das outras realidades.
    A partir do instante seguinte de uma dor profunda, um lindo leque de luz se abre revelando a imortalidade das ações amorosas, aquelas criadas com e por amor.
    Percebi pelos depoimentos acima que não fui a única contemplada com esta experiência, o que é gratificante.
    Tenho certeza que amarei seu livro...já o conheço antes mesmo de o haver lido.
    Beijo tua alma.
    Astrid Annabelle

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  3. querida Astrid

    sinto o mesmo: a dor mais profunda é a mais transformadora. a ponto de nos fazer equacionar, ainda que por mera retórica, que, se pudéssemos voltar atrás e mudar o 'destino', deixaríamos que fosse exactamente o que foi.

    o livro ainda não vai a caminho, mas muito em breve - prometo - irei pô-lo no correio. esse e os outros dois prometidos.

    beijo no coração (que os brasileiros dão tão bem)

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