há já muito tempo que deixei de ver telejornais. também não leio jornais. de manhã, a caminho das escolas, oiço as notícias das 8h00, na RFM. são rapidinhas, sucintas. chegam e sobram para ter uma ideia. uma ideia do quê? nem sei bem dizer. o que de verdadeiramente importante vai acontecendo na minha vida e na vida dos que me são próximos não é digno de ser relatado nas notícias das 8h00 da RFM. nem nos telejornais. nem nos jornais.
há uns anos também, troquei uma entidade empregadora, um salário chorudo e um comodismo agradável pela aventura de ficar por conta própria, sem nunca saber quantos euros iria ganhar ou perder e a liberdade de não ter nem de agradar nem de obedecer a ninguém. ainda não me arrependi!
há anos que não faço ideia do que é isso de ter subsídio de férias ou de natal, não me passou sequer pela cabeça, quando saí de um emprego onde estava há catorze anos, negociar subsídio de desemprego, ou começar a roçar-me pelas paredes, para me despedirem e levar uma indemnização para casa. na altura, diziam-me que eu era louca. talvez porque somos um povo habituado a reclamar muito os direitos e a cumprir pouco os deveres, não sei. sei que não era ético, sei que para mim não fazia sentido exigir fosse o que fosse ao 'patrão', mas apenas agradecer-lhe os anos de sã convivência e levar da experiência tudo o que me parecesse importante.
a brincar, costumo dizer que hoje sou precária por conta própria. continuo sem saber quantos euros vou ganhar, quantos euros vou perder, e o futuro só me assusta quando me pré-ocupo com ele. aí, sim, fico cheia de dúvidas, fico cheia de medos e é um rol desmedido de 'ai isto' e de 'ai aquilo' e de 'ses'. se há uns tempos me chamavam louca, hoje há quem me chame inconsciente, sobretudo quando reparam que não me pré-ocupo com o futuro.
ainda ontem, o pai das minhas filhas mais novas alegava o direito de se pré-ocupar com o futuro das nossas filhas. ri-me. ri-me porque me ocupo delas todos os dias. hoje, por exemplo, ocupei-me a acordá-las, dei-lhes beijos, tomámos juntas o pequeno-almoço, levei-as à escola. sim, posso ficar o resto do dia a pré-ocupar-me com elas. não sei se resulta, duvido. observo que pré-ocupar-me raramente resulta.
há uns dias, a Madalena cortou-se. ocupei-me da ferida. pus betadine. a seguir, pus-lhe um penso. tudo com muita calma, enquanto ela dizia 'ai ai ai'. a certa altura, não sei se por me ver calma, a Madalena acusou-me de não estar nada pré-ocupada com ela. ri-me e sugeri-lhe que observasse se a minha pré-ocupação a ajudava. e desatei, também eu, num 'ai ai ai' desenfreado. foi a vez de ela se rir. percebeu que ocupar-me dela era mais eficaz do que pré-ocupar-me com ela.
há uns dias, a Madalena cortou-se. ocupei-me da ferida. pus betadine. a seguir, pus-lhe um penso. tudo com muita calma, enquanto ela dizia 'ai ai ai'. a certa altura, não sei se por me ver calma, a Madalena acusou-me de não estar nada pré-ocupada com ela. ri-me e sugeri-lhe que observasse se a minha pré-ocupação a ajudava. e desatei, também eu, num 'ai ai ai' desenfreado. foi a vez de ela se rir. percebeu que ocupar-me dela era mais eficaz do que pré-ocupar-me com ela.
sim, é sempre mais eficaz. ocuparmo-nos do que nos é dado a viver a cada momento. na pré-ocupação, o espaço para o presente fica cheio dessa futura ansiedade e os momentos consomem-se, consomem-nos, tantas vezes sem darmos por eles. e, sim, continua a haver muitos dias em que, também eu, me pré-ocupo. e por isso conheço bem a diferença: entre os dias em que estou pré-ocupada e os dias em que estou, simplesmente, ocupada. agora, por exemplo, estou ocupada a escrever este texto. podia pré-ocupar-me a pensar se alguém irá lê-lo, pré-ocupar-me com o que vou fazer a seguir, pré-ocupar-me com tantas outras coisas, sei lá.
e a culpa, ah, a culpa! dos políticos, dos ladrões, dos lobbistas, dos ricos, dos outros, pois. todos tão pré-ocupados com o que os outros fizeram, desfizeram, tiraram, roubaram e por aí fora. e 2012, meu deus!, a pré-ocupação que por aí vai e, afinal, hoje é dia 19 de outubro de 2011 e de 2012 não há nadinha, nadinha que se possa, hoje, ter a certeza de que irá existir. ou há? se houver, por favor digam...
e e ok. pré-ocuparmo-nos com o futuro. com o corte dos subsídios, com a falência do estado, com as pensões vitalícias dos políticos, com a saúde da prima, com as negativas do filho, tudo serve, afinal, para nos pré-ocuparmos...
hoje, escolho ocupar-me com o presente. olho pela janela e vejo a figueira. calculo que não esteja minimamente pré-ocupada com as folhas que lhe irão cair, não tarda muito. eu também não estou. pré-ocupada com coisa nenhuma. e é por isso que o espaço cá dentro hoje está assim, livre e desocupado. e então já irei ver o que vou fazer, agora que estou mesmo a acabar este texto. talvez pintar...
Ia dizer "que texto maravilhoso", mas é mais do que isso... essas palavras decifraram o meu coração e me faz repetir, identificada, a frase de Rosa: precária por conta própria, como eu.
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