quarta-feira, 9 de março de 2011

só tu e eu



e agora viro-me de frente para que me vejas. pareço-te um anjo? é evidente que não! ninguém parece aquilo que não é e não há nenhuma excepção. não é sequer de estranhar que a grande diferença entre um anjo e uma pessoa seja o facto de a maior parte de uma pessoa estar do lado de fora e a de um anjo do lado de dentro. e sim, vistas do lado de fora, talvez sejam de espuma, as asas que invento e que trago coladas às costas, talvez seja apenas ruído o que faço de cada vez que me ensaio em esvoaços, talvez me mascare de todas as vezes que escrevo, talvez nem sequer sirvam para nada as palavras que ponho a boiar no néon, crendo que caem no branco para preencher algumas lacunas da vida, ou dar eco aos anseios de tantas outras pessoas.

e, no entanto, se me visses apenas do lado de dentro, se te esquecesses da espuma e fizesses silêncio, percebias que aquilo que ponho a boiar flutua muito para além dos contornos das letras e que há palavras que me atravessam sem eu sequer me dar conta de que as estou a escrever.
que tenho esse dom, visto do lado de fora, pode até soar a vaidade. a pessoa que sou até tem a mania que escreve tão bem e acalenta no ego o desejo de ser: publicada, lida, aplaudida... e se com isso até for capaz de ganhar a vida e alimentar a família, tanto melhor! mas é por dentro, é de dentro que a tinta escorre e não mancha, é da voz que me habita que trago as visões, é a alma quem, metaforicamente, me recria todas as possibilidades de SER nesta existência que escolhi, desta vez, ter forma humana.

e então lá voltamos a este mal entendido de sempre... quem é esta que escreve e que depois, tantas vezes, nem sequer age em conformidade? quem é esta que diz tantas coisas e que, afinal, não faz nem metade? esta, virada de frente, à vista de todos, com asas de espuma coladas às costas e ruidosa nos seus muitos esvoaços, é a pessoa. esta, virada de frente, à vista de alguns, arrancando a carne das asas e desejando voar em liberdade, é o anjo.

inconsciência, para mim, é ter um dom e não o pôr ao serviço dos outros. inconsciência é negar a parte de nós que é pertença do todo. inconsciência é não partilhar o que sinto, temendo que alguém denuncie que, afinal, eu não sou o que escrevo. inconsciência é nascermos para sermos anjos e contentarmo-nos em sermos apenas pessoas. o meu lado de fora é, sem dúvida, humano. mas o meu lado de dentro é, seguramente, divino. e se nem sempre consigo cruzá-los para que sejam um só é porque, à semelhança de tantos, vim experienciar a dualidade em mais uma viagem terrena.

2 comentários:

  1. fantástico! uma composição feita, seguramente, em alguns minutos, e com valor que chegue para fazer de todos nós anjos com asas de espuma. Todas as palavras presentes neste texto importam, pois foram escolhidas com carinho e sabedoria da mágica mão da minha adorada fada madrinha. Cada palavra tem uma textura diferente, umas são ásperas e complicadas, outras são suaves e simples como os cabelos de raios do Sol, que afagam tudo o que se lhes aparece à frente, como mãos inquietas que procuram encher o vazio com coisa...Ai, tanta filosofia e palavra! Palavra, sempre por toda a parte, a caracterizar e a complicar o que já é caracterizado e complicado! E a filosofia, oh, essa, essa dita o que não foi dito e questiona as certezas e certezas e certezas que muitos tiveram a certeza que tiveram...frases, palavras, filosofia, certezas, é tudo a mesma coisa! Tudo delimitado num círculo que vou desenhar quando já nada mais me apetecer fazer...mas que é isto?? Comecei com os anjos das asas de espuma e onde me vim meter!! No estranho e comprido corredor das palavras e das certezas e das frases e da filosofia...porque é que a escrita é assim? Porque é que quando se quer falar sobre um assunto ela, ousada e atrevida (mesmo que sejam dois adjectivos iguais), interrompe a monótona estrada dos assuntos que querem ser ditos para criar um novo caminho que conduz às complicações? Porquê? Que belo porquê... estamos mesmo na humanidade dos porquês!! Mas este é um porquê interessante, e lembrei-me da sua resposta; ora então a escrita, ousada e atrevida, pretende apenas ''desmonotonizar'' o monótono...para a escrita não há limites! Ou há? Bela pergunta...

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  2. querida fada-afilhada :)

    fico sempre 'desmonotonizada' com as tuas palavras, prova de que nunca me cansam, pelo contrário. não sei se as palavras terão como missão encher o vazio com coisas, se as complicam ou se as simplificam, se o quê... mas tens razão quando dizes que, tantas vezes, não somos nós que as escrevemos, mas elas que tomam conta de nós e nos escrevem. e de novo não sei se isso complica ou se simplifica ou se o quê...

    hoje fui ouvir um senhor que também tinha asas, não sei se eram de espuma, que dizia que não só as palavras, como também os pensamentos, as intenções, as atitudes... têm poder para criar realidades. o que significa que, seja escrevendo, compondo, pintando ou, simplesmente, pensando, nós co-criamos o mundo. o 'nosso' mundo que não é mais, afinal, do que nós próprios.

    e não, não há limites para a criação e tu sabes, não há limites quando nos desmonotonizamos e abrimos as asas.

    muitos beijinhos da fada madrinha ------☆ 〪〭〫〬

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