sábado, 23 de outubro de 2010

a Lua não se agarra, preenche-se

daqui
quantos quartos de Lua ainda terei de contar para perceber que é só uma? uma só lua que se enche e esvazia como as marés de sal nos meus olhos, até atingir a novidade do escuro e recolher-se ao silêncio?
uma só lua renascendo num traço crescente, crescendo ao relento e curvando no colo o embalo da infância, sentindo que a cada noite que passa preenche mais uma frincha de corpo e dá mais um passo no céu.
aos poucos, a luz torna-se cheia, redonda,
lua de shakti,
lua de fecundidade e prazer, de magias, de branco, de âmbar, das ilhas que aos poucos se encontram para formar arquipélagos ou, simplesmente, baloiçar no mar alto ao sabor das correntes.
não dura mais do que uma noite e logo a seguir emagrece.
aos poucos, também,
- que tudo leva o seu tempo-
e recolhe-se em busca do acto minguante, voltando a atingir a novidade do escuro e a ser lua de shiva.
a lua da transformação.
da solidão.
da cegueira.
do silêncio dos deuses.

o ciclo repete-se noite após noite,
mês após mês,
ano após ano,
toda uma vida.
assim como nos enche, a lua esvazia-nos.
querer agarrá-la é loucura.
mas preencher o vazio em que nos deixa enquanto mingua é ir ao encontro do Sol que escolhemos vir ser nesta vida.

2 comentários:

  1. Que maravilha Inês...bom dia!!!
    Seus textos me preenchem a alma...fazem tum...tum...aqui dentro.
    Que espetáculo é o dom da escrita...quando se tem...se tem!!!!!
    Amei.
    Beijo grande
    Astrid Annabelle
    P.S...li os anteriores igualmente poderosos!

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  2. querida Astrid, sempre bem vinda a esta 'casa'. aifnal, se é um dom - e hoje aceito de alma que o seja, mesmo quando vejo o ego insuflando-se com elogios que também toma para si - há que saber partilhá-lo. e oferecê-lo a quem por aqui passa.

    um beijo.

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