sempre que vou a uma escola falar do
Pede um Desejo, há três ou quatro, ou mesmo cinco crianças que logo me avisam, com caras de caso
olha que eu cá não acredito em fada nenhuma!
há outras que me pedem provas da sua existência, algumas querem saber coisas prosaicas, como o que é que elas comem ao pequeno-almoço ou se também lavam os dentes antes de irem para a cama, há muitas que partilham da minha crença e que dizem, com um brilhozinho nos olhos,
eu cá acredito e até já vi uma!
no imaginário infantil, as fadas são sempre as fadas dos contos de fadas. as fadas madrinhas da Bela Adormecida, a da Cinderela, a Sininho da Terra do Nunca, as Winx - numa versão mais moderna - e milhares de outras parecidas.
são sempre brilhantes, com asas, varinhas, pozinhos de perlimpimpim, capazes de transformar desejos em realidades, borralheiras em princesas magníficas, com poderes, dons e bondades que em muito transcendem a humanidade comum.
quando, então, essas três ou quatro ou mesmo cinco crianças me dizem que não acreditam em fadas - e que felizmente são sempre a minoria -, em vez de tentar provar-lhes que as fadas do Pede um Desejo são verdadeiras, eu falo-lhes das 'tias mágicas'.
as tias mágicas eram minhas tias-avós. nunca casaram e viviam as três, com os meus avós, num casarão em Pedrouços. eram bondosas e mansas, magrinhas, mas com uma largura de colo onde cabíamos todos (e, ao todo, somos dez primos), disponíveis para qualquer emergência ou urgência que pudesse surgir - ficarmos doentes em casa, esfolarmos um cotovelo, precisarmos de quem nos levasse ao ballet, de enxovais para as bonecas, de aprender a coser, de companhia para ir ao jardim - e lembro-me delas sempre a sorrir.
não tinham asas, não tinham varinhas e, em vez de pozinhos de perlimpimpim, costumavam brindar-nos com a sua paciência, infinita, com leite creme queimado por cima, com histórias de quando eram pequenas, com beijos e mimo e tudo o mais que vissem que nos faria crescer e, mesmo assim, continuar a acreditar em magias.
os seus nomes verdadeiros eram Maria Emília, Maria Helena e Maria Eugénia, mas os seus nomes de fadas eram Mimi, Melé e Mejé, e a presença benigna das três, ao longo das nossas infâncias, trouxe alívios e curas que talvez só muito mais tarde tenhamos, realmente, entendido.
quando a primeira partiu - e que foi uma das gémeas - e pela primeira vez me confrontei com a morte, tinha dezasseis anos. já era um bocadinho crescida, portanto, mas custou-me imenso aceitar que as fadas fossem mortais. a segunda, a Mimi e a mais velha das três, partiu três anos depois e já não me custou assim tanto, pois começava a ser capaz de ver o fio contínuo que liga a Terra e o Céu e, até, de falar com elas quando olhava para as estrelas.
a Mejé viveu muitos anos e só morreu muito velhinha e ainda a vi com os meus dois filhos mais velhos ao colo e apresentei-lhe a Madalena, quando ainda só estava na minha barriga. tinha uma fé que movia montanhas, uma capacidade de aceitar dias de chuva e de sol, sempre com a mesma alegria e nem as extra-sístoles que lhe agoniavam o coração o faziam pulsar longe de nós.
nos últimos tempos, vivia sozinha no casarão de Pedrouços, mas todos os dias um de nós ia vê-la, retribuíndo assim as magias que tinha feito connosco durante anos a fio e que eram coisas tão simples como as que tinha feito por nós. companhia, um chazinho de tília para o lanche, acompanhá-la à missa ao domingo, dar-lhe o braço para subir as escadas, levá-la a uma praia, a um jardim ou ao teatro, convidá-la para almoçar num restaurante com vista, dar-lhe muitos abraços e muitos beijinhos e fazer com que nunca sentisse que tinha ficado sozinha.
perante as minhas fadas humanas, mesmo as crianças mais cépticas sentem que a magia, afinal, não é exclusiva dos personagens dos livros e, menos ainda, uma mentira que lhes contamos para as fazermos felizes, mas que pode ser qualquer pessoa que até existe nas suas vidas. seja uma tia, uma prima, a professora da escola, a senhora que se sentou ao lado delas no autocarro e que tinha um sorriso maravilhoso, a mãe quando dá beijinhos nas feridas, o pai quando canta, a amiga que empresta os lápis de cor e por aí fora...
sim, é muito importante contar às crianças as histórias das fadas dos contos de fadas, mas mais importante é dizer-lhes que, também elas, são poderosas e muito capazes de fazer grandes magias no mundo. sem asas e sem varinhas e sem pozinhos de perlimpimpim que, isso sim, só existe nos filmes...