segunda-feira, 4 de outubro de 2010

a primeira vez que 'falei' com ele ao telefone

a conversa foi esta.
o 'técnico' apareceu-me do nada ou, se quiser dizer mesmo a verdade, desta minha tendência  - vício? mania? capacidade? esquizofrenia? - para inventar personagens dentro de mim. não há originalidade nenhuma neste desdobramento de um ser em várias vozes que, afinal, chegam dos seus vários 'cantos'. para citar apenas um caso, lembro Fernando Pessoa. 
até que ponto isso é bom ou mau, certo ou errado, construtivo ou elucidativo daquilo que os manuais de psiquiatria designam, genericamente, por 'distúrbios da personalidade', não sei. nem me interessa lá muito saber. analisar os porquês, os porque nãos ou os porque sins deixa-nos sempre perante a irrefutável agonia da dúvida. interessa-me mais, neste caso, perguntar-me: para quê?

a primeira vez que me dei conta de ser assim - não uma, mas várias - era muito pequena. a Lucibel, que mais tarde acabou por se tornar, primeiro num personagem que levei para a ilha e, depois, numa fada alegre e bondosa que contava quartos de luz na beira de um lago, está comigo, diria que desde os cinco ou seis anos. lembro-me de falar nela aos meus pais e de eles me olharem com aquele ar de quem não sabe o que fazer com uma filha 'meia tontinha', ou então de me dizerem para parar de inventar, ou mesmo de me acusarem
 tens a mania que és engraçadinha, não é?
ao longo da minha infância, a Lucibel era mais uma sombra do que uma luz, responsável pelas minhas asneiras, autora dos meus disparates, alguém que tomava conta de mim e que era um bom álibi sempre que eu não conseguia ser 'boa'. por exemplo, quando a minha mãe entrava no quarto e via tudo espalhado, desarrumado, e me ralhava, eu explicava
 não fui eu, foi a Lucibel.
ou quando batia nos meus irmãos
 foi a Lucibel 
quando abria as torneiras da casa de banho e deixava tudo inundado
 foi a Lucibel
quando dizia mentiras, a responsável era sempre a pobre da Lucibel.

foi durante a adolescência que os papéis se inverteram: ela passou a ser a boa e eu a má. não sei explicar como foi que o processo se deu, mas a adolescência é sempre um campo minado para a auto imagem e, por isso, o que eu me via a ser por fora - desengonçada, com a pele a regurgitar pontos negros, as hormonas descontroladas e uma série de outros desassossegos - não condizia com aquilo que sentia ter dentro de mim. a tal bondade de que o Pe Alberto falava, a essência tapada pela matéria, a primordial luz da alma. a Lucibel passou, então, a ser uma espécie de Anjo da Guarda. em vez de a culpar pelas minhas asneiras, pedia-lhe que me ajudasse a evitá-las. em vez de a acusar das minhas fragilidades, evocava-a para que me fortalecesse. em vez de me desculpar com a sua existência, agarrava-me à sua presença para me poder perdoar a mim mesma. 
fui crescendo e esta tendência - vicío? mania? capacidade? esquizofrenia? -  de me re-inventar a ser outras não esmoreceu, pelo contrário. foi ganhando contornos - por vezes de paranóia total e desconsolo por não conseguir perceber, afinal, quem sou Eu?
por outro lado, sinto hoje que esse desdobramento me tem trazido para mais perto de um único Eu - com todas as contradições que co-habitam, não só em mim, mas em todos os seres. e as conversas 'telefónicas' com o 'meu' técnico, a título de exemplo, foram, ao longo dos últimos meses, fundamentais para sentir que, sempre que invento alguém para falar comigo de fora, não estou a ser mais do que um canal para que os meus guias se possam exprimir na linguagem humana que falo. ou seja, não são máscaras para me esconder de mim mesma, não sou esquizofrénica e tenho aprendido mais sobre mim mesma quando me ponho à conversa com elas, do que quando as mando calar para que não me falem do que também sou, mas que ainda não gosto de ser.




5 comentários:

  1. ...afinal é.. porque sim!!
    É boa leitura porque sim,
    É boa reflexão porque sim,

    Vou seguir o seu blog, apenas.. e deliciar-me.
    Deixo-lhe a gratidão de quem descobriu mais um petisco para a Alma!!
    beijinho,

    Filomena

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  2. A Lucibel deve ser muito boa companhia. Porque sim!

    :)

    A.

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  3. a Lucibel é uma 'companheira' para a vida, sem dúvida :) e uma fadinha bem poderosa...

    ------☆ 〪〭〫〬 〪〭〫〬

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