quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

hoje voltei a vê-la tão de perto

a morte.
nem sequer de uma pessoa que era próxima, mas ainda assim de perto porque próxima de quem me é próximo e tão querido. voltei a sentir aquilo que sempre sinto quando a tenho à minha frente, a paz imensa que transmite quando nenhum desgosto a tolda, a mansidão com que a pele esfria, a leveza que aparenta um corpo inerte quando a alma o desabita e se devolve à sua essência. 
confesso, 
tenho sempre alguma inveja de quem morre, não por não gostar da vida, 
gosto imenso!
mas por lembrar-me como era quando eu própria estava viva nesse espaço que se diz ser o da morte. quando sentia o céu inteiro por minha conta e tudo pulsava em mim sem eu sequer ter coração. quando era livre por não ter de fazer escolhas, por não ter peso nenhum, por não ter medo, não ter nada a não ser aquilo que sou, mas sem carregar um corpo e sem me disfarçar de gente. 
tenho sempre a sensação, quando vejo um corpo morto, de que a aparente imobilidade da matéria não é mais do que aquilo que sempre foi: energia condensada que por fim se dissipou e seguiu rumo ao seu centro, à sua fonte. que esta casca que sustenta e que alimenta cada órgão, cada músculo, cada célula, cada osso, que amadurece, que envelhece e por fim esfria é só uma forma que nos damos para exercitarmos a paciência, para experimentarmos o prazer, para ensaiarmos criações, para podermos dar-nos conta da tanta dor que nos causamos de cada vez que acreditamos que a forma também é conteúdo. e então tenho sempre este desejo, 
esta ilusão?
de que antes mesmo de voltar para casa um dia, eu consiga dar-me conta, e sem mais nenhum equívoco, de que esta forma que me dei não me contém, apenas me torna contida, de cada vez que me permito duvidar que sou amor e me detenho no pulsar (i)rregular do coração.
voltei a vê-lo tão de perto, 
o meu amor, 
não contido, mas conteúdo, nem sequer desenhado ou projectado na pessoa que me é próxima e tão querida, mas aqui dentro, a tomar conta de mim, de cada órgão, cada músculo, cada célula, cada osso do meu corpo como se também eu estivesse imóvel e sem pulso, tão viva e tão serena nesse espaço que se diz ser o da morte e sem apego por mais nada e nenhum medo. 
depois mexi-me e vim-me embora e o movimento devolveu-me outra vez a esta forma que é de gente. e senti esfriar os dedos, não por estar morta e imóvel, mas por estar viva e afinal ainda ter medo e tanto apego a tantas coisas...

3 comentários:

  1. Também eu tenho medo... se bem que um medo diferente daquele que sentia antes da mãe partir quando eu tinha 19 anos... e ser atirada, completamente sozinha, para um mundo que desconhecia. Grandiosa oportunidade de aprendizagem colocada na minhas mãos ♥ ...
    Não fui à despedida da mãe, porque nada daquele "ritual" fazia sentido para mim, já naquela altura. Fui criticada, sim. "Nem devia gostar da mãe!", ouvi. Perdoei. Não valia a pena criar rancor por maneiras diferentes de encarar a situação. Eu sei o quanto adorei/o aquela alma que foi minha mãe e isso é que importa. A partida dela foi oportuna e teve uma missão gigantesca de Amor.
    Hoje, com uma família maravilhosa construída, mentiria se dissesse que o medo não existe. Não o medo do que iria encontrar do outro lado do véu. Esse deixou de existir, o medo do desconhecido esquecido... Ando aqui de "férias". Andamos todos, cada um à sua maneira. Mas sim o medo de "perder" os que me são muito próximos, se tivesse de partir, se bem que tenha noção que nada possuimos, pelo que não há nada que se possa perder... mas, o desapego é um trabalho árduo. Mais fácil numas situações, menos fácil noutras... principalmente quando as pessoas chegadas estão envolvidas. Grande desafio! Somos mesmo Amor puríssimo. Sujeitarmo-nos a tudo isto... é dose!
    Um beijinho cintilante ♥

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  2. Olá Inês,

    Muito agradecido por me ter chamado a atenção para este seu belíssimo texto, sem dúvida um dos seus mais conseguidos. Nos últimos dias tenho andado na internet de forma intermitente, por isso não tenho lido tudo, mas tenciono actualizar-me nos próximos dias. :))

    Ao longo da vida arranjei a experiência necessária para não temer a morte. Sinto-me preparado. Não significa que queira ir, já, já. Mas, se tiver que ser, tudo bem.

    O seu texto remeteu-me a uma sua possível projecção do espírito e respectivo regresso.

    Muito agradecido. Beijo.

    António

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  3. Obrigada Inês, por me (re)lembrares dos medos que ainda tenho. Doas apegos sem sentido.

    Já escrevi muito sobre Ela e para Ela. Era muita nova e Ela muito presente. Depois escondia debaixo do tapete e fingi que Ela não existia... Coitada. De mim. Apenas pude sorrir com complacência de mim própria...

    Obrigada. Até já* Sobre as Asas. SobreVoo* Até*

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