sábado, 20 de agosto de 2011

quando as mães boas fazem coisas... boas

o que já me atazanei de culpas e remorsos por ser uma má mãe dava mais prosa do que toda a que aqui escrevi ultimamente! há dezassete anos e uns meses - idade da minha filha mais velha - que esmiuço as falhas e os pecados da minha maternidade. ora é porque não lhes ligo o que devia, ora porque me excedo e lhes dou umas palmadas, ora porque faço deles uns mariquinhas-pé-de-salsa, quando lhes apaparico mil caprichos e cedo às suas vontades, ou porque digo coisas que não lembram ao diabo e os insulto... e então acaba tudo por ir dar à sensação de que cada um dos quatro só tem um quarto de mãe, do tanto que me divido a querer chegar sempre para tudo.

na mesma proporção ou mais, já que dura há quarenta e quatro anos, atazanei-me com queixinhas e queixumes e com traumas e angústias e um dedo apontado à minha mãe: 'a culpa é sua!'
e então ia escrever, como título deste texto, 'quando as mães boas fazem coisas más' - num plágio descarado do título do livro da Debbie Ford.

foi então que dei por mim a gozar de um sossego como nunca tive igual. há quase um mês que estou sem nenhum dos quatro em casa, há quase um mês que não os oiço a chamar 'mããããeeeee' e a parecer que me arrancam as goelas para responder no mesmo tom, há quase um mês que não me divido em quatro a tentar chegar a tudo, há quase um mês que não lhes ligo, não me excedo, não lhes bato, não lhes digo aquelas coisas que não lembram ao diabo e, em vez da mãe mariquinhas-pé-de-salsa que, para mostrar que é boa mãe, agora iria dizer
  há quase um mês que não os vejo!, ai, estou cheiinha de saudades
realizo como sou boa, mesmo boa, por me ter dado este espaço, por me der dado este tempo, por me ter dado esta paz, este descanso, este sossego.

como fui mesmo, mesmo boa mãe, quando pedi aos avós que tomassem conta deles para eu ir fazer a Escola. como fui mesmo, mesmo boa mãe, quando confiei que a Francisca ia gostar de ter a casa de Lisboa só para ela e a deixei responsável por si própria. como fui mesmo, mesmo boa mãe, quando organizei as coisas para o Lucas ir passar quinze dias à Comporta com o padrinho - que vê pouco, mas que adora - e como nem sequer lhe disse nada, quando chegou e, uma hora depois e em vez de cá ficar, como estava combinado, improvisou uma ida para casa de um amigo no Algarve. como fui mesmo, mesmo boa mãe, com as duas mais pequenas a passear por Inglaterra com o pai duas semanas e nem sequer lhes telefonei com as 'melguices' do costume - se estavam boas, se andavam a comer bem, a dormir bem, a gostar e por aí fora, nem sequer com a desculpa 'era só para ouvir a vossa voz'.

mesmo, mesmo boa mãe. quando a Francisca me ligou ainda há pouco a dizer que não sabe se tem dinheiro para voltar do Minho de camioneta e, caso não tenha, se eu posso ver se não dá para lhe comprar o bilhete pela net e já vou ver. mesmo, mesmo boa mãe, agora mesmo, vendo a mensagem do Lucas a dizer que já chegou a Lisboa e se não posso ir buscá-lo, porque está sem dinheiro para o autocarro e já hei-de ir, assim que acabar o texto. mesmo, mesmo boa mãe, quando ontem a Luísa e a Madalena me fizeram a supresa de aparecer aqui em casa, acabadas de chegar do aeroporto, e me vieram convidar para jantar com elas e com o pai - para casa de quem voltaram a seguir, porque o que está combinado é que, para aqui, só vão voltar na quarta-feira.

mesmo boa, a mãe inteira, em vez da esfrangalhada em quatro e tão má para ela própria.
 

Porto Santo, Agosto 2006






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