ia dizer que o encontrámos na rua, mas acho que é mais verdadeiro dizer que foi ele que nos descobriu e chamou a atenção. não faço ideia do que estaria a fazer instalado naquelas escadas, mas assim que passámos miou e a L., mais atenta do que eu aos barulhos do campo, disse logo :
olha, mãe, está ali um gatinho.
deixa-o estar, disse eu.
e segui.
mas ele voltou a miar e era um miar muito mansinho, nem sequer me pareceu que fosse um miado de mimo ou de quem pretendia inspirar compaixão, mas de pura bondade, de saudação, de presença.
ó mãe, ele é tão querido, não é?
insistiu a L.
e, puxando-me a mão, obrigou-me a voltar para trás.
acha que posso pegar-lhe?
achei que sim e a L., devagarinho, subiu os degraus da escada onde ele estava instalado e ele deixou-se pegar sem oferecer resistência. diria mesmo que se aninhou nos braços da L. e que os sentiu familiares e seguros.
vá, agora vamos embora, disse eu passado algum tempo.
e seguimos.
o caminho foi todo com a L. a falar do gatinho. ou da gatinha, nessa altura tanto eu como ela achámos que era uma gata. e nem o espectáculo do sol a pôr-se por trás das serras acalmou a L. - que queria à força saber se, no regresso, podíamos passar de novo à frente da casa para ver se a gata ainda estaria nas escadas.
disse que sim e passámos, mas já lá não estava.
que pena!, suspirou a L.
e não falou noutra coisas até serem horas de irmos jantar.
posso ir procurá-la?, pediu-me, mesmo antes de irmos para a mesa e, sem esperar pela resposta, saíu porta fora. voltou nem dez minutos depois, radiante, com a kitty nos braços, a rir e aos gritos
temos uma gatinha! temos uma gatinha!
a M. veio a correr e disse
ah, tão querida!
e a F.
kitty? kitty é bué mau, temos de lhe arranjar outro nome!
nessa noite, depois de lhe termos aberto o portão para nos certificarmos se não quereria voltar à sua vida e às escadas, a kitty dormiu lá em casa, na cama da tia R.
se foi do contágio entre a pele e os pêlos não sei, mas sei que, no dia seguinte, a tia R. acordou e reivindicou que a gata agora era dela, que ia levá-la para lisboa e que o seu nome passara a ser clementina.
não é justo!, queixava-se a L., nós é que a encontrámos!
sim, era o que faltava!, insurgia-se a F., ir para uma casa em lisboa que nem sequer tem jardim!
mas depois podíamos ir lá visitá-la!, dizia a M., que no fundo achava que à tia R., que vivia sozinha, a companhia da gata seria mais útil.
se ao menos a mãe deixasse sermos nós a levá-la...
deixa, mãe?, perguntou a F.
deixa, mãe?, perguntou a M.
deixa, mãe?, perguntou a L.
não disse que sim nem que não e, nos dias que se seguiram, limitei-me a observar.
a gata, que se descobriu entretanto ser gato, passou a ser o centro das atenções e todos os dias, pela manhã, a L. e a M. vinham até ao meu quarto para me perguntarem,
e então, mãe? já decidiu se podemos levá-lo?
ao mesmo tempo que a F. tentava provar-me que ele nos tinha escolhido e que precisava de nós.
disse 'não sei' até ao último dia e ontem, no último dia, dentro de um cesto de roupa onde, de início, odiou ser 'enfiado', o fellini fez connosco o caminho de volta para casa.
temi que pudesse estranhar o jardim, que tivesse saudades das escadas e dos barulhos do campo, que se sentisse infeliz por o termos privado das canções das cigarras que, à noite, enchiam o pátio, mas não me parece que tenha estranhado ou sentido falta de nada, pelo contrário. anda por aí à vontade e aos saltos, de cada vez que uma borboleta lhe chama a atenção, já subiu ao telhado e a duas das árvores, esta noite dormiu com a F., de manhã foi a L. quem lhe serviu o pequeno-almoço e ainda há pouco estava refastelado no colo da M., a ver televisão.
Ontem, vi esse gatinho...
ResponderEliminarnão em carne e osso, mas com outros olhos, numa pedra no jardim de casa...
exatamente esse gatinho....
good color the cat I love( fellini)
ResponderEliminarhttp://www.claude-dubois.odexpo.com
http://www.worldincolor.com