sábado, 29 de outubro de 2011

formas



o gelo derrete e continua a ser água. as montanhas desabam e são terra na mesma. as chamas apagam-se e o fogo permanece nas brasas. o vento amaina e o ar não se esgota.
formas.
só isso.
formas.
casas, árvores, cubos, caixas, pedras, pessoas.
medidas, pesos, tamanhos, enganos.
olhamos para as coisas e vemos as coisas. e quando uma casa desaba parece que deixou de ser casa. e quando uma árvore é cortada parece que deixou de ser árvore. e quando um cubo se amolga parece que deixou de ser cubo. e quando uma pedra é esmigalhada parece que deixou de ser pedra. e quando as pessoas se olham é carne que vêem e depois quando morrem parece-lhes que já não vêem mais nada.
formas.
só isso.
matéria que se condensa para nos dar aparência.
mesa, gato, folha, frasco, caneta, copo, papoila.
consistência, volume, textura, carácter, função.
a tudo atribuímos um nome. sem nomes o que seria da mesa, do gato, da folha, do frasco, da caneta, do copo?
papoila e a forma vem cor de vermelho, a consistência macia das pátalas, o pouco volume que ocupa nos campos, a textura de fino veludo, o carácter éfemero depois de colhida. funciona?
a espuma das ondas, a chuva de outono, o movimento do voo, a cadência dos passos, a ressonância das festas, um acorde menor, o aroma dos corpos... que formas temos para dar-lhes?
a ilusão de que sabemos como é que tudo se chama, de que para tudo há definições, a perspectiva e o ângulo, formas que mudam de fórmula para formar novas formas, milhares de partículas infinitamente minúsculas que brincam connosco e nos garantem que o mundo é redondo.
e o gelo derrete e continua a ser água. e as montanhas desabam e são terra na mesma. e as chamas apagam-se e o fogo permanece nas brasas. e o vento amaina e o ar não se esgota. e todos os dias milhares de pessoas abandonam o mundo das formas e, afinal, continuam a ser quem sempre foram.

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