terça-feira, 8 de março de 2011

liberdade, liberdade ♫

abre as asas sobre nós

há quanto tempo ali estava, nem ela sabia dizer. apenas que suspirava, de cada vez que, voando, embatia nas grades,
  ah, se ao menos eu fosse livre!
voava em círculos pequenos, a maior parte não dando sequer para abrir a totalidade das asas, o voo sempre aquém das alturas, os movimentos razando somente a redoma de arame, e todos os dias o mesmo suspiro
  ah, se ao menos eu fosse livre!
a liberdade que intuía, e pela qual suspirava, estava sempre do lado de fora e, lá fora, nunca havia ninguém que parecesse disposto a abrir-lhe a gaiola para que pudesse voar mais além. confinava-se, então, ao espaço apertado do seu cativeiro e as voltas que dava sobre si própria conduziam-na sempre ao mesmo desejo
  ah, se ao menos eu fosse livre...
em dias de menos alento, quando nem forças tinha para esvoaçar, suspirar, desejar, deitava-se, quieta, na sua prisão e ruminava impropérios. estranhamente, o exercício parecia trazer-lhe o conforto de que não era, afinal, culpada de nada, mas uma vítima das circunstâncias, fossem elas quais fossem. silenciosamente, vingava-se. não sabia ao certo de quem nem do quê, mas a ilusão de que os responsáveis pelo seu cativeiro seriam, um dia, punidos, acalmava-lhe as ânsias. caía então num estado dormente de auto-comiseração e quase sentia prazer em lamber cada uma das feridas que,  sangrando, recusavam a cura.
havia também outros dias em que, mergulhada numa euforia que fabricava a partir da matéria dos sonhos, se via a voar, finalmente, liberta de tudo e de todos. a gaiola era o mesmo espaço apertado de sempre, os círculos nunca maiores nem mais amplos e, mesmo assim, conseguia fazer com que parecessem espirais, quando, de olhos fechados, se imaginava do lado de fora das grades, rumo ao cume dos céus.
depressa, porém, regressava desses esvoaços dementes, dando-se conta de que não fora, afinal, a lado nenhum e então o desalento voltava, desfazia-se em melancolia e tristeza, suspirava de novo
 ah, se ao menos eu fosse livre...
 
 
 
olhando de fora, não só para ela, mas sobretudo para mim, diria que ambas são livres. é livre a que escolhe embater nas grades de arame e livre a que descobre que a porta se abre por dentro. é livre a que se entrega aos suspiros, aos esvoaços em círculos, à dormência e às feridas e livre a que cumpre os desejos, a que ousa atingir as alturas, a que, acordada, se cura. 

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